Paulo Núncio teme que englobamento aumente IRS de “milhares de famílias”

“Os impostos já estão tão elevados que aumentar ainda mais a carga fiscal sobre as famílias não me parece a decisão mais apropriada”, afirma o ex-secretário de Estado.

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Paulo Núncio foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 2011 a 2015 Nuno Ferreira Santos

O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio (CDS-PP) avisa que, se o Governo avançar para o “englobamento total dos rendimentos que hoje estão sujeitos a taxas especiais, muitos milhares de famílias poderão vir a sofrer um acréscimo significativo do IRS”.

O ex-secretário de Estado de Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque comentava, numa entrevista à Antena 1 e ao Negócios, a intenção do Governo de “caminhar no sentido do englobamento dos diversos tipos de rendimentos em sede de IRS, eliminando as diferenças entre taxas”.

Actualmente, os rendimentos prediais (rendas) e de capitais estão sujeitos a taxas especiais, mas os contribuintes podem optar por juntar estes valores aos rendimentos do trabalho para fazerem o englobamento, o que só compensa aos contribuintes que ficam a pagar menos IRS do que na tributação autónoma de 28%.

O actual Governo ainda não clarificou que tipos de rendimentos passarão a ser englobados. Mas o próprio primeiro-ministro, António Costa, já admitiu durante o debate do programa de Governo que, no caso dos rendimentos prediais, para quem não tem os imóveis no regime de arrendamento acessível e para quem não assegura contratos sem precariedade, “é provável que efectivamente o englobamento venha a traduzir-se num agravamento do imposto”.

Paulo Núncio afirma à Antena 1 e Negócios que na União Europeia a “esmagadora maioria” dos países tem sistemas fiscais semelhantes ao português, onde “convivem taxas progressivas sobre determinado tipo de rendimentos e taxas especiais sobre outro tipo de rendimentos”. “E por isso, se Portugal avançar para o englobamento total dos rendimentos sujeitos a taxas especiais vai divergir da regra na União Europeia, penalizando ainda mais a competitividade do nosso sistema fiscal”.

Quanto aos rendimentos prediais, o ex-secretário de Estado centrista considera que, se o englobamento obrigatório avançar, isso significa “uma alteração substancial da política do Governo”, por causa das recentes alterações para reduzir as taxas especiais para os contratos de arrendamento de longa duração.

Questionado na entrevista se há uma forma de compatibilizar as duas medidas, Paulo Núncio diz parecer-lhe “contraditório”, mas admite que é preciso “esperar para ver”.

Em relação aos rendimentos de capitais, o sócio contratado da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados interroga-se: “Faz sentido avançar agora para o englobamento, designadamente juros, quando o INE ainda há poucos dias alertou para o facto de a taxa de poupança estar em mínimos historicamente baixos? Também não consigo entender a lógica subjacente”.

Questionado se, do seu ponto de vista, não há nenhum rendimento com taxa especial que deva ser englobado no IRS, Paulo Núncio afirma: “Hoje em dia, estes rendimentos também podem ser englobados por opção dos contribuintes. Os impostos já estão tão elevados que aumentar ainda mais a carga fiscal sobre as famílias não me parece a decisão mais apropriada neste momento”.

Na mesma entrevista, o ex-secretário de Estado do Governo de Pedro Passos Coelho entre 2011 e 2015 afirma, em relação à carga fiscal, que “foi necessário [durante aquele governo] adoptar medidas muito exigentes para que Portugal pudesse sair do programa de ajustamento e voltar aos mercados. Isso foi conseguido, mas houve um esforço fiscal muito significativo. Neste momento, Portugal devia pensar, de facto, numa redução da carga fiscal, fundamentalmente no IRS e no IRC”.

Sobre a proposta do Governo de aumentar a progressividade do IRS, Paulo Núncio considera que o alívio devia acontecer para todas as famílias e diz ser “errado reforçar ainda mais uma progressividade que já é bastante elevada”, porque não estimula “necessariamente a inovação, nem o empreendedorismo, nem o risco”, nem a poupança das famílias.

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