Romance de estreia de James Baldwin chega a Portugal 65 anos depois de escrito

Inspirado na juventude do autor, o romance retrata a luta dramática de John Grimes, um jovem que procura desenhar a sua individualidade no seio de uma comunidade segregada, no bairro nova-iorquino do Harlem.

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James Baldwin em 1972 Sophie Bassouls/Sygma via Getty Images

O romance de estreia do escritor norte-americano James Baldwin, Se o Disseres na Montanha, considerado a sua obra mais importante, está pela primeira vez disponível em Portugal, mais de 65 anos depois de ter sido escrito.

Editado pela Alfaguara, Se o Disseres na Montanha (Go tell it on the Mountain), foi escrito originalmente em 1953 e recebido com excelentes críticas, tendo o próprio autor chegado a afirmar que “se só pudesse escrever um livro na vida, seria este”. O romance chega às livrarias portuguesas no dia 19 de Novembro, sucedendo-se à publicação de Se Esta Rua Falasse, em Setembro do ano passado, também pela Alfaguara.

A estreia, em 2017, de um documentário adaptado de um dos seus livros, Eu Não Sou o Teu Negro, e a posterior adaptação cinematográfica, por Barry Jenkins (premiado realizador do Moonlight), do romance Se Esta Rua Falasse, em 2018, que valeu um Óscar de melhor actriz secundária a Regina King, ajudaram a relançar a obra do activista negro James Baldwin, falecido em 1987, que ficou como um dos nomes maiores da literatura norte-americana e uma das vozes mais influentes do movimento dos direitos civis.

Se o Disseres na Montanha é o primeiro e o mais ambicioso romance de James Baldwin, que se constituiu desde logo como um marco para muitos outros escritores, ao mesmo tempo que foi conquistando o lugar de clássico da literatura americana, afirma a editora.

Inspirado na juventude do autor, o romance retrata a luta dramática de John Grimes, um jovem que procura desenhar a sua individualidade no seio de uma comunidade segregada, no bairro nova-iorquino do Harlem.

John Grimes quer para si um destino diferente daquele que a família e a comunidade lhe reservaram: o de seguir os passos do padrasto, ministro da Igreja Pentecostal. Mas, numa comunidade discriminada, a liberdade de escolher pode não estar nas suas mãos, ou pode condená-lo a uma segregação ainda mais profunda, dentro de si e entre os seus semelhantes.

Com uma “precisão lírica e um poderoso simbolismo, com fúria e compaixão”, Baldwin espelha em John a luta que ele próprio travou pela autodeterminação — emocional, moral e sexual —, transformando a sua história individual na odisseia colectiva de um povo marcado pela segregação, descreve a Alfaguara.

Ao escrever Se o Disseres na Montanha, James Baldwin não só criou novas possibilidades para a literatura dos Estados Unidos, como permitiu aos americanos despertar para uma nova forma de se verem a si mesmos.

Romancista, ensaísta, dramaturgo, poeta e crítico social norte-americano, James Baldwin, negro e homossexual assumido, nasceu em Nova Iorque em 1924 e desde cedo se bateu contra o racismo e a discriminação social, em nome da defesa dos direitos dos negros e dos homossexuais.

Em 1948, partiu para França, fugindo ao racismo e homofobia do seu país natal. Em 1953, publicou o primeiro romance Se o Disseres na Montanha, destacando-se entre as suas obras mais importantes o seu segundo romance, O Quarto de Giovanni (a ser publicado também pela Alfaguara em 2020), e ainda The Fire Next Time, Going to Meet the Man, Notes of a Native Son e Another Country.

James Baldwin destacou-se desde cedo como romancista, ensaísta, poeta e dramaturgo, mas, a par disso, notabilizou-se como uma das vozes mais influentes do movimento de direitos civis, tendo sido o primeiro artista afro-americano a aparecer na capa da revista Time.

Travou essa luta na vida e na escrita, tendo publicado até à morte mais de 20 livros, entre ensaios, romances, contos, poemas e peças.

Uma dessas obras é o manuscrito incompleto Remember This House, que serviu de base ao realizador Raoul Peck para fazer o documentário I am not your negro, filme que traça uma viagem à história negra norte-americana, ligando o passado do Movimento dos Direitos Civis ao presente do movimento activista Black Lives Matter.

O filme cumpre o desejo manifestado em vida por James Baldwin de contar a história do racismo nos Estados Unidos, com relatos sobre as vidas de três amigos seus assassinados: os líderes activistas Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Jr..

Ao levar James Baldwin para Hollywood, os filmes baseados nas suas obras trazem também à actualidade os temas que o autor sempre tratou, como as complexidades sentidas, embora não totalmente assumidas, nos anos 1950 e 1960, sobre a sexualidade e sobre a distinção de classes raciais nas sociedades ocidentais, em particular nos Estados Unidos.

O seu trabalho tem sido recuperado igualmente por outros autores que procuram afirmar a sua relevância na actualidade como em 1967, sendo múltiplos os textos que salientam a necessidade de se ler Baldwin para compreender os Estados Unidos da América hoje, sob a presidência de Donald Trump.

As preocupações de James Baldwin em torno da condição humana são particularmente exploradas nos seus ensaios Notes of a Native Son (1955) e Nobody Knows my Name: More Notes of a Native Son (1961).

Alguns textos ensaísticos do escritor e activista assumem a dimensão de livros, como acontece com The Fire Next Time (1963), No Name in the Street (1972) e The Devil Finds Work (1976).

Ao longo da sua vida literária, James Baldwin transformou também em ficção e em peças as suas dúvidas e os seus dilemas pessoais, relacionados com as pressões sociais e psicológicas que tornavam impossível integrar e igualar na sociedade tanto negros como homossexuais e bissexuais.

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