Mobilidade autónoma: quando?

Estamos, de facto, num turbilhão de mudanças, algures num processo de transformação digital que sabemos como começou, mas que somente suspeitamos como vai acabar.

Terminou o Web Summit, evento que é de alguma forma a ocasião em que Lisboa volta a ser durante uma semana a capital do mundo, neste caso do mundo digital. A dimensão é tal que ninguém se consegue desmultiplicar para ver todas as ideias que as inúmeras startup apresentam, nem todas as apresentações feitas pelas mais variadas personalidades planetárias convidadas – é humanamente impossível chegar a todas.

Entre muitos outros assuntos de indesmentível relevância, falou-se de 5G, de táxis voadores, de Machine Learning, de Inteligência Artificial (AI), de ecossistemas de transporte, de economia circular, de sustentabilidade, da Mobilidade como um Serviço (MaaS), do Software como um Serviço (SaaS), do Banking como um Serviço (BaaS), de Blockchain, da Internet das Coisas (IoT), da exploração da Lua e de Marte, da troca de dados entre veículos (V2V) e destes com as infraestruturas (V2I), de drones para entrega de comida, de Ética, de Cibersegurança, de unicórnios Fintech, da identidade digital, da relações entre robots e humanos, de Big Data, de camiões e de automóveis autónomos.

Estamos, de facto, num turbilhão de mudanças, algures num processo de transformação digital que sabemos como começou, mas que somente suspeitamos como vai acabar, onde as variáveis em jogo são tantas e tão complexas que é impossível construir algoritmos que nos ajudem a compreender com alguma precisão onde vamos estar num futuro próximo.

Ora, um dos assuntos altamente debatidos nesta cimeira foi a mobilidade autónoma, que entronca com temas como Machine Learning e Inteligência Artificial, MaaS, a emergência do 5G, que vai possibilitar a Internet das Coisas e a troca de dados entre veículos e destes com as infraestruturas em tempo real, Big Data, sistemas regulatórios e segurança.

A mobilidade autónoma, quando acontecer em escala, já se sabe nesta altura que será baseada em Machine Learning e Inteligência Artificial, por um lado, e, por outro, na troca de dados instantânea entre os veículos e com a infraestrutura. Os veículos, com base nos dados armazenados na Cloud que forem recolhendo (Big Data) através dos seus múltiplos sensores, e no tratamento desses dados, irão desenvolver padrões comportamentais, naturalmente obedecendo a rígidas regras de segurança e a todas as restrições regulatórias do local onde operem, e ao mesmo tempo terão acesso imediato ao que os outros veículos estão a fazer, trânsito, meteorologia, eventos, acidentes, e todo o tipo de demais condicionantes. Naturalmente, para serem baratos terão de ser partilhados em esquemas de mobilidade partilhada (MaaS), e o preço será o efeito catalisador para o sucesso deste tipo de mobilidade.

Simplesmente, tudo isto leva tempo, é evidente que preços baixos levarão sempre a uma adoção mais rápida de uma nova tecnologia, e aqui a inexistência de um motorista e o fenómeno da partilha jogam um peso muito forte na redução dos custos de operação, mas outros fatores existem que vão atrasar o processo, como a preparação das nossas cidades para este tipo de mobilidade e toda a infraestrutura tecnológica e legal necessária para abarcar esta nova realidade, isto por um lado, e por outro é de prever que a convivência numa mesma rua de máquinas e humanos não vai ser pacífica – imagine-se o comportamento de cada um de nós no trânsito quando soubermos que uma máquina que se cruza connosco está programada para parar sempre, em caso de dúvida.

Do exposto, ninguém se arrisca a responder com segurança à pergunta de um milhão de dólares sobre o timing de introdução de veículos autónomos, numa cimeira em que este assunto foi recorrente, o fator tempo foi sempre algo um pouco tabu, mas algumas certezas começam a aparecer.

A primeira certeza é que, embora existam locais onde este tipo de mobilidade já se encontra a ser testada (Phoenix, Boston), a sua generalização não é para já. É certo que existem fatores de mudança poderosos e pessoas (como Elon Musk) com peso e capacidade para implementar veículos autónomos – aliás, a Tesla anunciou um milhão de veículos autónomos já para meados de 2020, mas 2020 está à porta, e, se pensarmos em toda a complexidade inerente à introdução de veículos sem condutor em locais por onde hoje circulamos, rapidamente vemos que por muito grande que seja a ambição, a mesma esbarra com a realidade.

A segunda certeza é que as experiências de Phoenix e Boston se vão repetir noutras cidades, pelo menos numa primeira fase em ambiente controlado, e sempre na medida em que as autoridades locais forem adaptando as infraestruturas e a regulação às múltiplas exigências da mobilidade autónoma, e esse será um processo gradual que levará sempre tempo.

A terceira certeza é que os construtores automóveis estão a percorrer o seu caminho em termos de níveis de autonomia de condução. Quando falamos em carros que andam sozinhos, pensamos sempre num nível máximo de autonomia (nível 5), mas existem outros níveis mais baixos de autonomia que as marcas têm vindo paulatinamente a introduzir que, por si, já representam avanços importantes. Controlo adaptativo de velocidade, sistemas de travagem automáticos e assistentes de estacionamento são exemplos de características de condução autónoma que se começam a generalizar.

Concluindo, vai haver mobilidade autónoma, mas não será para já, a mesma chegará aos poucos, um pouco à medida que os veículos forem introduzindo mais e mais características autónomas que os clientes aceitem num processo progressivo, como já está a acontecer, mas acima de tudo à medida que os operadores forem capazes de introduzir em ambiente controlado veículos partilhados sem condutor, e por isso oferecendo um serviço que vencerá pelo preço a oferta atual.

E quando será isso? Mesmo numa cimeira mundial de tecnologia, poucos arriscam projeções, estão a desbravar-se caminhos novos, as incertezas são mais do que muitas. De qualquer forma, os projetos piloto vão ser cada vez mais; já em escala, arriscando, não se antevê que a mobilidade autónoma chegue antes de 2025, será sempre depois de meados da próxima década.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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