Mais uma mulher acusa Polanski de violação, “sabendo que não pode haver castigo”

“Foi de uma extrema violência”, diz a fotógrafa francesa Valentine Monnier, que recebeu o apoio da secretária de Estado da Igualdade francesa. Alegado acto, negado pelo realizador, terá ocorrido em 1975, na Suíça, e estará prescrito.

Foto
Roman Polanski Charles Platiau

Mais uma mulher acusa o realizador Roman Polanski de violação. A fotógrafa e actriz francesa Valentine Monnier denunciou sexta-feira a alegada violação ao jornal Le Parisien, contando que terá ocorrido em 1975, numa estância de esqui na Suíça, quando a alegada vítima tinha 18 anos. O advogado de Polanski, que está prestes a ver estrear o seu novo filme, diz que o realizador “contesta firmemente a acusação de violação”.

Valentine Monnier tem hoje pouco mais de 60 anos e diz que em 1975 “não tinha qualquer ligação” a Polanski. Um amigo comum convidou-a para ir esquiar e ficariam na casa do realizador, onde, diz Monnier, uma noite ele a chamou ao seu quarto e o encontrou nu. Segundo a sua descrição da noite, diz ter sido agredida e que Polanski a tentou forçar a engolir um comprimido, despindo-a à força. “Foi de uma extrema violência”, resume. “Disse a mim mesma: é Roman Polaski, ele não pode correr o risco de que isto se saiba, ele mata-me.”

Roman Polanski é até hoje um homem procurado nos EUA depois de ter cumprido uma curta pena de prisão pela violação da jovem Samantha Geimer, com 13 anos, em 1977, e ter saído do país para não mais voltar. Em paralelo, a sua carreira como cineasta continuou, premiada, elogiada, e em 2013 Geimer escreveu mesmo um livro onde diz ter perdoado o realizador e em que critica o sistema judicial e os media americanos. Desde 2017, a sombra desse crime (ocorrido após o violento homicídio da sua mulher, Sharon Tate, grávida, pelos seguidores de Charles Manson em 1969) voltou a cada novo cargo ou homenagem, acompanhada de novos relatos de mulheres na vaga pós-MeToo. Foi expulso da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood em Maio de 2018. Processou a Academia pela expulsão. Samantha Geimer veio também classificar a atitude da Academia como algo apenas para defender as aparências.

Agora, Valentine Monnier, ex-modelo, é a primeira francesa a acusar Polanski de crimes sexuais depois de, em 2017, a actriz alemã Renate Langer o ter acusado de violação quando ela tinha 15 anos – e também na estância suíça de Gstaad. Já em 2010, no Festival de Cannes, a actriz britânica Charlotte Lewis acusou o realizador de abuso sexual durante uma sessão de casting quando a actriz tinha 16 anos (em 1983). Todos os casos vêm a público em alturas em que os alegados crimes já prescreveram.

“A violação é uma bomba-relógio”, disse Monnier ao diário parisiense sobre o impacto psicológico duradouro do crime. Polanski terá pedido imediatamente desculpas e chorado após o sucedido, diz Monnier. “Denuncio este crime sabendo que não pode haver castigo, mas tentando pôr fim às excepções e à impunidade”, justificou sobre o estatuto de figura pública de Polanski.

Os casos de assédio e violência sexual vindos a público após a eclosão do escândalo Weinstein têm demonstrado padrões: nas dificuldades, medo ou vergonha das alegadas vítimas em apresentar queixa à polícia após os actos e de comportamentos de alguns dos agressores. Os jornalistas que têm divulgado alguns dos casos mais sonantes apoiam-se em técnicas para tentar encontrar outros padrões: em casos de agressão sexual apenas testemunhada pelos envolvidos, os relatos posteriores a familiares ou amigos são um padrão para as vítimas e têm servido de sustentação parcial destes relatos.

No caso de Monnier, esta diz ter contado o caso ao homem em cuja casa ficou após a alegada violação, à sua melhor amiga e, mais tarde, ao namorado, depois ao marido. Todos corroboraram a história ao Le Parisien. Outras duas fontes, um amigo de Polanski e o produtor John Bentley, dizem não se recordar de uma acusação directa de violação. Nos últimos anos, Monnier já tinha relatado o seu caso, via carta, à polícia de Los Angeles, à primeira-dama Brigitte Macron, ao ministro da Cultura francês Franck Riester ou à actual secretária de Estado da Igualdade francesa, Marlène Schiappa. Na sua resposta, enviada em Março do ano passado e a que o diário francês teve acesso, Schiappa elogiou a coragem de Valentine Monnier após 42 anos de silêncio e dá-lhe o seu “apoio”.

O mais recente filme de Polanski, J’accuse, é sobre o “caso Dreyfus”, em que um militar judeu francês foi acusado de espiar para a Alemanha e condenado por traição – anos mais tarde, percebeu-se que o culpado de espionagem era outro e a carta J’accuse, de Émile Zola, cristalizou o caso de erro judicial e preconceito na história. O filme, considerado já majestoso pelo crítico do PÚBLICO Vasco Câmara, foi um candidato ao Leão de Ouro no Festival de Veneza deste ano, onde receberia o Prémio Especial do Júri

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