Morreu Maria Perego, a criadora do Topo Gigio

O ratinho doce e “optimista” que mandava os miúdos portugueses para a cama ao som de José Cid atravessou fronteiras e contracenou com Sinatra, Michael Jackson, John Wayne ou Hugo Pratt.

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Um boneco Topo Gigio, parte da colecção pessoal do designer português Mário Cameira ENRIC VIVES-RUBIO

A autora, produtora e marionetista italiana Maria Perego, criadora de um dos dois ratos mais famosos do século XX, o italiano Topo Gigio, morreu quinta-feira em Milão aos 95 anos. É autora de uma figura que marcou várias gerações de crianças italianas, portuguesas e até americanas, visto que o pequeno Topo Gigio chegou ao popular Ed Sullivan Show logo nos anos 1960. Em Portugal, entrava nos ecrãs no concurso Sequim D’Ouro ou para mandar os mais pequenos para a cama e até José Cid lhe escreveu música.

Maria Perego nasceu em 1923 em Veneza e era neta de um bonecreiro. Cedo começou a trabalhar em televisão e foi por alturas de 1959 que criou o Topo Gigio (“topo” significa rato em italiano), em colaboração com o marido, Federico Caldura, e inspirada em parte pelo rato mais conhecido do século XX, o Mickey de Walt Disney. Começou a fazer as primeiras experiências com o que seria um boneco complexo, operado por três marionetistas (tinha também elementos de fantoche), logo em meados dos anos 1950, depois de ter tido a ideia numa barbearia - como conta o site do Topo Gigio, uma árvore de Natal em esponja usada como decoração fê-la despertar para a maleabilidade o material e para a sua adequação ao trabalho em televisão.

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Maria Perego/Topo Gigio SARL

Foi fazendo outros bonecos para programas da emissora estatal italiana RAI e um deles, com a versão de voz em fast forward, pareceu-lhe um ratinho. “Muitos dizem que o Topo foi criado em 1959 mas visto que o mecanismo ainda não estava perfeito, eu digo que ele nasceu em 1961”, dizia Maria Perego, citada pelo diário italiano La Repubblica. Em Itália, o Topo Gigio faria o seu caminho, lentamente, e Maria Perego apresentava-o em simultâneo aos países vizinhos: Suíça, Alemanha, depois Espanha ou Holanda, e com a ajuda do Ed Sullivan Show e das conversas que o familiar apresentador tinha com o rato de esponja, a sua popularidade explodiu.

“Era uma embaixadora excepcional da criatividade italiana”, lamenta Alessandro Rossi, administrador da empresa Topo Gigio, e amigo de Maria Perego, no comunicado que anunciou a sua morte sem grandes detalhes. “Topo Gigio parecia retirar a sua vida das mãos dela e, com ela, viajou até países de todo o mundo.”

Em Portugal, a criação de Maria Perego tinha presença constante entre o final da década de 1970 e os anos 80, tendo regressado aos ecrãs nos anos 1990 quando, com o aparecimento das televisões privadas, a SIC recuperou o ratinho para o pôr à conversa com uma das suas revelações – o apresentador João Baião no Big Show SIC de Ediberto Lima. Mas fora nas galas de música infantil Sequim D’Ouro (no original italiano, Zecchino d'Oro) que fizera as suas primeiras aparições.

Depois, logo em 1981, teria as honras de anteceder o Vitinho ou Os Patinhos na canção televisiva que, todas as noites, mandava as crianças portuguesas dormir. A canção de Gigio, composta por José Cid e pelo pianista Rui Guedes (um dos autores do primeiro hino do CDS), tinha a voz do actor António Semedo. O filho do também actor Artur Semedo foi a voz do Topo Gigio em Portugal, sempre a contracenar com o pianista Rui Guedes em conversas televisivas.

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Louis Armstrong e Topo Gigio Maria Perego/Topo Gigio SARL

A versão de canção de embalar de Topo Gigio era também um ritual em Espanha e Itália, espelhando a transversalidade da figura naquelas décadas: o rato de esponja com grandes orelhas e traços de timidez dengosa foi famoso em países tão distintos quanto a Nicarágua ou o Japão. O narcotraficante colombiano Pablo Escobar cantava as músicas do Topo Gigio ao seu filho, Juan Pablo. Na série Vinyl, da HBO e realizada por Martin Scorsese em 2016, parte do retrato de 1973 é feito por uma aparição do Topo Gigio.

O La Repubblica recorda o alcance inusitado da personagem que, à imagem dos Marretas norte-americanos ou das portuguesas Rua Sésamo e A Árvore dos Patafúrdios, atraía figuras da cultura e da política com aparente facilidade - se Sérgio Godinho cantava n'A Árvore dos Patafúrdios, Louis Armstrong, Frank Sinatra ou Michael Jackson interagiram com Topo Gigio; o ilustrador Hugo Pratt, autor de Corto Maltese, ou o actor John Wayne foram outros dos seus companheiros no ecrã. No Brasil, o seu anfitrião era o humorista Agildo Ribeiro.

O fenómeno Topo Gigio foi alimentado, claro, pelo merchandising. Cromos, bonecos, peluches, livros e discos, bem como filmes e peças infantis mantinham a proximidade entre o ratinho doce e os seus jovens fãs. Com os anos, teve a sua versão de animação. “O Topo Gigio é uma personagem ingénua, mas com o seu optimismo ele tenta justificar-se, inventar, apresentar-se e entrar na fantasia e no absurdo. Está sempre no limite entre a imaginação e a realidade”, dizia Perego há escassas semanas na RAI 3. A RAI vai precisamente homenagear a sua criação em 2020, com uma nova série na qual Perego ainda trabalhou.

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