Soluções alternativas ao aeroporto no Montijo? ICNF diz que já se pronunciara sobre Alcochete

Enquanto não se conhece a Avaliação de Impacte Ambiental do previsto aeroporto no Montijo, persistem dúvidas sobre a forma como foi ultrapassada a aparente inexistência de localizações alternativas.

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A localização do novo aerporto que servirá a área de Lisboa continua a suscitar polémica Daniel Rocha

A batalha está em cima da mesa, já incluiu uma queixa à Comissão Europeia e foi remetida aos tribunais. De um lado, associações ambientalistas e especialistas em Direito Ambiental defendem que a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) do projectado aeroporto no Montijo tinha, obrigatoriamente, de incluir a análise de soluções alternativas. Do outro, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que alertara, numa AIA para o mesmo projecto que foi encerrada sem ser concluída, em 2018, que, por estar em causa a proximidade de zonas protegidas no âmbito da Rede Natura 2000, qualquer estudo de impacte ambiental deveria ser objecto de “avaliação de incidências ambientais” que, juridicamente, contempla “o exame de soluções alternativas”. Contudo, o ICNF não esclarece, agora, se mudou de opinião nesta matéria. Lembra, ainda assim, que já emitira um parecer sobre outra solução que afectaria as mesmas áreas classificadas, o entretanto abandonado aeroporto de Alcochete.

“Essa é uma desculpa esfarrapada”, diz sobre esta matéria Carla Graça, da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável. Desde logo porque o processo de Alcochete é anterior e independente do actual, mas também porque, naquele caso, foi feito exactamente aquilo que a Zero defende e que diz não ter sido agora cumprido. “Quando estava em causa o campo de tiro de Alcochete, a AIA foi precedida de uma avaliação ambiental estratégica, que comparava a solução Ota com Alcochete. Agora, a única coisa que tivemos foi uma avaliação muito prévia a várias bases aéreas, apenas para dizerem que não eram alternativas. Não houve uma verdadeira avaliação ambiental estratégica que, de acordo com a legislação, devia incluir também a operação do aeroporto de Lisboa”, defende. Foi da Zero que partiu a queixa contra o novo aeroporto à Comissão Europeia, que, por enquanto, não quer comentar o processo.

Para já ainda não foi divulgada a AIA que deu origem à Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável, embora condicionada a medidas de mitigação de riscos ambientais que custarão 48 milhões de euros, segundo fez saber a Agência Portuguesa do Ambiente, que coordenou o processo. Mas houve um processo anterior, encerrado em Julho de 2018 pelo promotor, depois de se ter concluído que existiam várias desconformidades no Estudo de Impacte Ambiental (EIA), em que é conhecida a posição do ICNF.

Nessa altura, o ICNF indicava, nas “linhas orientadoras” para a realização do EIA, que um projecto deste género poderia afectar a Zona Especial de Protecção [ZPE] do Estuário do Tejo, “devendo nesse caso ser objecto de avaliação de incidências ambientais no que se refere aos objectivos de conservação da ZPE”. Ora, essa “avaliação de incidências ambientais” inclui, no seu âmbito, “o exame de soluções alternativas”.

O PÚBLICO questionou o instituto sobre se manteve esta posição no processo da actual AIA e se confirmava que não tinha sido feita uma avaliação de soluções alternativas, mas a resposta do ICNF foi esquiva. “Não obstante, do ponto de vista do processo de AIA n.º 3280 [o actual], se ter procedido à avaliação de um projecto concreto com uma solução concreta, importará referir que na mesma região e com relevância para as mesmas áreas classificadas – ZPE do Estuário do Tejo e Reserva Natural do Estuário do Tejo – havia sido submetido a avaliação do ICNF um projecto alternativo, ‘Novo Aeroporto de Lisboa’ em Alcochete, que mereceu da mesma forma parecer favorável condicionado”, respondeu, por escrito, a assessoria de imprensa do instituto.

O ICNF recusa também que se possa falar de uma eventual “mudança de opinião”, uma vez que o processo anterior foi encerrado pelo promotor antes de ser concluído, pelo que “não foi emitido parecer final do ICNF”. Questionado ainda sobre o alerta de especialistas que apontam para a possibilidade de a DIA poder vir a ser invalidada, por, entre outros aspectos, não ter sido feita uma avaliação ambiental estratégica ao projecto, o ICNF recusa-se a comentar, afirmando: “As questões relativas ao processo de Avaliação Ambiental Estratégica e Avaliação de Impacte Ambiental devem ser colocadas à Autoridade de AIA, no caso a Agência Portuguesa do Ambiente.”

 O PÚBLICO questionou a Agência Portuguesa do Ambiente sobre esta matéria, mas não obteve resposta.

“Gravidade extrema”

Para a professora de Direito do Ambiente Carla Amado Gomes, o processo de AIA do aeroporto é de “gravidade extrema”, tendo havido “total desrespeito pelas normas” comunitárias e da legislação nacional sobre a matéria. A jurista consultou o EIA do aeroporto do Montijo e concluiu que a lei não foi cumprida.

A docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa não tem dúvidas de que o estudo tinha de incluir a Avaliação de Incidências Ambientais e que há obrigação legal de um exame de “todas” as alternativas, não apenas das “razoáveis”. “Com o [actual] Regime de Rede Natura a ser mais exigente, não falando em ‘alternativas razoáveis’ mas, pressupõe-se, em todas, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) afirma sempre que um projecto só pode ser viabilizado sem mais se não apresentar riscos significativos para o ambiente e, caso os revele, só em nome de um superior interesse público e após um estudo exaustivo de alternativas”, diz.

De acordo com Carla Amado Gomes, o estudo de alternativas no âmbito da avaliação de incidências é “um elemento obrigatório do EIA”, cuja falta “gera rejeição liminar do mesmo” e, sem este “conteúdo mínimo”, a DIA sofre forçosamente de défice de ponderação, que a torna anulável (pelo menos) por violação de lei e por violação do princípio da imparcialidade”.

 “Julgo que o ‘estudo de alternativas’ manifestamente não foi feito – ou não foi apresentado ao público –, pois não basta incluir um item a dizer ‘alternativas’ para esta obrigação, sobretudo à luz da jurisprudência, estar cumprida”, defende Carla Gomes.

A jurisprudência que a académica refere é o acórdão do TJUE, de 7 de Novembro de 2018, (proc. C-461/17), que fixa o conceito de estudo de alternativas como integrando todas as “principais soluções alternativas”, independentemente de serem ou não actuais e de quem as propõe.

A avaliação deve incluir “todas as principais soluções alternativas estudadas pelo dono da obra, quer as que tenham sido inicialmente equacionadas por este ou pela autoridade competente, quer aquelas que tenham sido defendidas por algumas das partes interessadas”, lê-se no ponto 68 do acórdão, e “o dono da obra deve fornecer informações sobre os efeitos no ambiente tanto da solução escolhida como de cada uma das principais soluções alternativas por ele estudadas e as razões da sua escolha atendendo, pelo menos, aos seus efeitos no ambiente, mesmo em caso de rejeição de uma dessas soluções alternativas numa fase inicial” (ponto 69).

Para Carla Amado Gomes, “o conceito de estudo de alternativas densificado pelo Tribunal de Justiça não corresponde, de todo, ao apresentado no Resumo Não Técnico” do EIA, uma vez que os aspectos referidos são puramente económicos e não se analisa minimamente cada uma das opções, nas dimensões exigidas, no confronto com a eleita, como a lei exige. com Rita Siza

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