Crónicas de um otaku

Antes de ser uma palavra para designar um fã de qualquer coisa, otaku era um termo japonês usado como um tratamento formal na segunda pessoa, quase uma reverência. Só mais tarde, em 1989, é que passou a ser usada entre os fãs de anime e manga.

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Jean-Paul Pelissier/Reuters

Otaku. Muitas vezes associa-se o otaku ao nerd, criando um estereótipo de pessoa. Aqueles que usam óculos garrafais, camisa aos quadrados, sapatos de vela ou calças curtas. Para completar, aparelho nos dentes e fala quase codificada. Outras vezes, aquelas pessoas que fazem vídeos para o YouTube e usam t-shirts com personagens da cultura pop. Esses mitos e estereótipos foram sendo desconstruídos ao longo do tempo. De facto, a minha formação em Antropologia ajudou-me a fazer isso, mas também a mostrar ao mundo académico e familiar que os otaku podem ser pessoas interessantes desde que se queira compreendê-los. 

O principal recurso de um otaku é a internet, como não podia deixar de ser. Através das redes sociais mas também da pesquisa, conseguem ficar sempre a par das últimas notícias sobre as suas séries preferidas. Mas o que é isto de ser otaku? Pois bem, agora fica um pouco da história da palavra e também do meu lado de fã.

Antes de ser uma palavra para designar um fã de qualquer coisa, era um termo japonês usado como um tratamento formal na segunda pessoa, quase uma reverência. Só mais tarde, em 1989, é que passou a ser usada entre os fãs de anime e manga.

Foi pela mão do humorista japonês Akio Nakamori e do seu livro M no Jidai que o termo se tornou popular, mas houve um senão: o livro deste autor era baseado num caso real de um assassino em série obcecado por anime e manga. A partir deste caso, a palavra tornou-se pejorativa e foi considerada um tabu no Japão.

Só no início dos anos 90 a palavra chegou ao Ocidente, nomeadamente aos EUA, país que influenciou profundamente a cultura pop japonesa, mais precisamente em termos de animação. O termo otaku foi usado pela primeira vez naquele país num filme de 1991, que misturava animação e imagem real, chamado Otaku no Vídeo, sendo depois mencionado na revista Animerica. Mas também aqui ganhou uma conotação pejorativa, uma vez que era usada para identificar indivíduos fanáticos ou obcecados, à semelhança do que acontecera no seu país de origem.

Mais tarde, passou a designar diferentes grupos consoante os seus gostos. Desde os computadores pessoais (pasokon), aos videojogos (gemu), miniaturas (tetsudo), aos objectos militares e armas (gungi), carros (auto otaku). Actualmente, é usado para definir sobretudo os fãs de cultura pop japonesa, sendo mais usada em países como o Brasil, mas também os EUA.

O lado pessoal

O meu “otakuismo”, se assim lhe quiserem chamar, começou nos anos 90 em frente à televisão. Nessa altura, ainda não se falava em comunidade, muito menos em otaku, nem sabia o que isso era. Só gostava de acompanhar as séries coloridas que passavam. Por vezes, mostravam uma maturidade que hoje em dia seria inapropriada. Fosse pelas cenas mais sangrentas ou mais ousadas, ou até mesmo pelo humor peculiar, mas naquela altura fazia algum sentido.

Praticamente ainda em estado revolucionário, o nosso país precisava de algo novo e diferente para entreter a sua juventude; claro que uma criança de seis ou sete anos não percebia o que se queria transmitir, apenas achava engraçado. A partir daí, como se costuma dizer, ficou o bichinho. Mesmo que outros se sobrepusessem mais tarde, como o Harry Potter ou os filmes da Disney, aqueles ficavam sempre.

Depois, com o passar dos anos, a curiosidade ficou maior e com a era digital a pesquisa sobre o assunto tornou-se mais profunda. Queria saber de onde vinha e parte da sua história. Só aí descobri que havia muito mais do que apenas as séries na televisão, era todo um mundo por explorar. Banda desenhada, eventos, cosplay, era como se entrasse num mundo paralelo que me ajudava a escapar da realidade.

No entanto, sentia que era uma coisa só minha, ninguém parecia partilhar o meu entusiasmo, por isso fechei-o dentro de mim. “Isso é para crianças”, diziam. Mas, um dia, durante as muitas pesquisas, descobri que havia mais como eu e não precisava de ter vergonha. E é assim até hoje.

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