A subalternização da mulher na Bíblia vai estar em discussão neste sábado, em Lisboa

O investigador Paulo Mendes Pinto garante que se caminha para a abolição do uso dos textos sagrados para justificar a subalternização das mulheres.

Foto
Priscilla Du Preez/Unsplash

Há uma subalternização da mulher nos textos sagrados? De que forma olham as confissões religiosas para o papel da mulher na Bíblia? Tem hoje a mulher o mesmo papel do que há 2500 anos? As questões serão respondidas na freguesia mais multicultural de Lisboa, Arroios, que vai receber este sábado o encontro “Casa Comum. Projecto de vizinhança cultural”.

O projecto Casa Comum apresenta o opúsculo “Confissões cristãs tomam posição face ao uso da Bíblia em relação a situações de subalternização da Mulher” no Mercado Forno do Tijolo, rebaptizado de Mercado de Culturas. Os líderes de várias confissões estão a “distanciar-se desse uso abusivo da Bíblia para justificar a subalternização da mulher”, explica Paulo Mendes Pinto, coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona.

O interesse pelo papel da mulher na Bíblia surgiu quando, em 2015, o juiz Neto de Moura citou a Bíblia para atenuar uma pena de violência doméstica. Paulo Mendes Pinto explica que “os textos que podem ser usados para caracterizar a mulher têm mais de 2500 anos”. Ainda assim, este é um tema particularmente sensível para as confissões religiosas. “Há aqui uma tensão muito grande, nomeadamente nas tradições mais fundamentalistas, mais agarradas à letra do texto sagrado”, acrescenta o investigador da Lusófona, em conversa com o PÚBLICO.

No opúsculo apresentado este sábado por líderes das várias confissões religiosas, a opinião é unânime: a Bíblia não pode ser transposta à letra para os dias de hoje. “Usar a Bíblia, como se viu recentemente, para justificar a violência contra a mulher é desconhecer o texto sagrado. As palavras da Bíblia devem ser interpretadas a partir de Jesus, o qual nunca permitiu que qualquer mulher sofresse na sua presença qualquer forma de violência ou discriminação”, pode ler-se no texto do pastor Luís Alexandre Ribeiro Branco, da Igreja Evangélica Baptista de Cascais.

A banalização da Bíblia é outro dos temas abordados no pequeno opúsculo, a que o PÚBLICO teve acesso. “Ainda que possa ser tomada como mera herança cultural, a Bíblia não pode ser manipulada para fins tão contrários a algo que é central na sua mensagem: a misericórdia” escreve o padre José Maria Brito, director de comunicação dos Jesuítas em Portugal. O pastor Paulo Branco, da Convenção das Assembleias de Deus em Portugal, concorda: “Não se pode retirar versículos fora de contexto, nem usar a Bíblia a nosso belo prazer, para aquilo que nos interessa.”

Uma Marcha pela “Casa Comum”

O encontro começa às 11h com uma Marcha de Mulheres. Vão estar presentes as embaixadoras em Portugal do Paraguai, do Peru e das Filipinas. “A marcha das mulheres é algo informal, sem uma carga ideológica, muito menos partidária”, clarifica Paulo Mendes Pinto.

A tarde será ocupada com mesas redondas sobre a paz, espiritualidade, bem-estar e preservação de culturas. Calixto Suarez, líder indígena do povo Ahuarco, fará a conferência final sobre a paz nas relações humanas.

O projecto “Casa Comum” foi iniciado há dois anos, com a carta de compromisso pela ética do cuidado, assinada por 16 líderes religiosos. “Todas as confissões religiosas e culturais têm algo em comum que é o respeito por aquilo que nos é legado num momento superior divino, ou não. Quer sejamos crentes de alguma religião, ou não, vivemos numa casa comum”, explica o Paulo Mendes Pinto. O objectivo final é o diálogo inter-religioso.

Texto editado por Bárbara Wong

Sugerir correcção
Ler 9 comentários