Médicos e enfermeiros perderam salário em sete anos

Relatório da OCDE Health at a Glance compara evolução das remunerações de 11 países entre 2010 e 2017. Portugal foi o único em que desceram.

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Joana Goncalves

Os médicos e os enfermeiros portugueses viram os seus ordenados baixarem em sete anos, ao contrário do que aconteceu com vários países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Os dados fazem parte do relatório Health at a Glance 2019, divulgado esta quinta-feira por esta organização.

O relatório avalia a evolução das remunerações entre 2010 e 2017 de médicos especialistas e médicos de clínica geral e compara o percurso salarial da Áustria, Bélgica, Canadá, Estónia, Finlândia, França, Hungria, Israel, Luxemburgo, México e Portugal. Destes 11 países, apenas Portugal registou uma descida. Quer médicos generalistas como especialistas estavam a ganhar menos em 2017 do que ganhavam em 2010: menos 1,3% e menos 0,9% em média por ano, respectivamente.

“No geral, a remuneração dos médicos aumentou desde 2010, mas a ritmos diferentes entre os vários países e entre médicos especialistas e clínicos gerais. Na Hungria e na Estónia, quer especialistas quer clínicos gerais tiveram um aumento substancial dos salários nos últimos anos”, refere o relatório.

No caso da Hungria, explica o documento, o governo “aumentou substancialmente as remunerações desde 2010, com os rendimentos dos médicos de clínica geral a crescer cerca de 80% entre 2010 e 2017 e o dos especialistas a quase duplicar” com o objectivo de reduzir a escassez e a emigração de clínicos. A medida teve efeitos. Segundo a OCDE, entre 2017 e 2018 o número de médicos húngaros a pedir o certificado para poder trabalhar no estrangeiro diminuiu mais de 10%.

Em Portugal, os baixos salários e a degradação das condições de trabalho têm sido duas das razões apontadas por sindicados e Ordem dos Médicos para o aumento de saída de profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Para muitos a opção tem sido trabalhar no privado, mas para outros o estrangeiro torna-se cada vez mais atractivo. Nos primeiros seis meses deste ano, as três secções da Ordem dos Médicos tinham assinado, segundo dados publicados pelo Diário de Notícias, perto de 400 certificados, o triplo de 2018.

Mas não foram só os médicos a perder remuneração. Também os enfermeiros a trabalhar nos hospitais portugueses sentiram o mesmo efeito a partir de 2010, ao contrário do que aconteceu noutros países. “Na maioria dos países, a remuneração dos enfermeiros aumentou desde 2010, ainda que a diferentes ritmos”, aponta o relatório. O mesmo acrescenta que na República Checa os enfermeiros tiveram um aumento salarial depois de protestos em 2011 e na Eslováquia os salários aumentaram 40% entre 2010 e 2017. O governo daquele país anunciou um novo aumento de 10% em 2018 para enfermeiros e pessoal não médico.

“Noutros países, como Portugal e Espanha, a remuneração dos enfermeiros desceu depois da crise económica de 2008/09 relacionado com o corte das remunerações no sector público e apenas recuperou lentamente nos últimos anos”, diz o documento, que acrescenta que o mesmo cenário de decréscimo salarial aconteceu na Grécia. Neste caso, um decréscimo de 25% entre 2009 e 2015.

O relatório refere que os enfermeiros que trabalham em países da Europa Central e Oriental ganham menos e que isso explica em parte porque é que a maioria destes profissionais emigra para outros países da União Europeia. Embora não faça referência quanto a essa realidade em Portugal, desde os anos de crise que no nosso país milhares de enfermeiros pediram à Ordem declarações para poderem trabalhar no estrangeiro. O ano recorde até ao momento foi 2014, com 2814 pedidos.

Mas 2019 pode bater essa marca. Nos primeiros seis meses deste ano a Ordem dos Enfermeiros já tinha emitido 2321 declarações. Muito acima dos números do primeiro semestre de 2018. Entre os principais motivos para estes pedidos estão os baixos salários praticados em Portugal comparando com outros países, as condições de trabalho e a não-perspectiva de progressão na carreira.

Mais médicos nas cidades

O Health at a Glance 2019 volta a fazer um apanhado do rácio de médicos e enfermeiros por mil habitantes. No caso dos enfermeiros, Portugal tem 6,7 profissionais por mil habitantes, abaixo da média dos 36 países da OCDE (8,8 enfermeiros por mil habitantes).

Já no caso dos clínicos, Portugal está muito acima da média da OCDE (5 por mil habitantes versus 3,5 por mil habitantes na média dos 36 países da OCDE), mas com a ressalva que o número poderá estar muito sobrevalorizado já que a conta é feita com o número de médicos inscritos na Ordem. Não tendo em conta os que podem já não estar a praticar.

Não é apenas a diferença entre países no número de médicos por mil habitantes que o documento destaca. O relatório volta a dar ênfase às diferenças regionais que existem dentro dos países no que diz respeito à disponibilidade de médicos. Problema em que Portugal se destaca.

“A quantidade de médicos é consistentemente maior nas zonas urbanas, reflectindo uma concentração de serviços especializados como cirurgia e a preferência dos médicos em exercer em localizações urbanas. Diferenças na densidade de médicos entre zonas urbanas e rurais é maior na Eslováquia, Hungria e Portugal, não obstante as diferentes definições de zonas urbana e rural entre os países”, relata a OCDE.

Mesmo dentro das zonas urbanas, as principais cidades “tipicamente atraem mais médicos”. “Isto é particularmente evidente na Áustria, na República Checa, Grécia, Portugal, Eslováquia e Estados Unidos”, salienta o documento.

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