Eu, preguiçoso, me confesso

Eis o nosso dia, preguiçosos, rejubilai-vos. Estou certo que não estou sozinho nesta demanda preguiçosa dos nossos dias. Somos muitos – ou deverei dizer: somos todos?

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Eis o nosso dia, preguiçosos, rejubilai-vos. Estou certo que não estou sozinho nesta demanda preguiçosa dos nossos dias. Somos muitos – ou deverei dizer: somos todos? Arrisco dizer que todos temos a nossa dose de preguiça, mais ou menos vincada. Mas todos a experimentamos. Até o mais pró-activo dos seres vivos tem a sua vontade de fazer coisa nenhuma. Tem esse direito que tanto não custou a lutar.

Nós, preguiçosos, temos linguagem comum, usamos expressões que nos definem. Coisas tão banais como “logo se vê”. Talvez esta seja a expressão que melhor define um preguiçoso. “Logo se vê”, sem nunca pôr de lado um “talvez amanhã”; “pode ser que sim”, “isto só depois”, “vou ver o que posso fazer” ou um mero “já vou”. Quantos de nós não ouvimos de longe um assertivo “não é já vou, é vou já”, aquando de uma chamada, também ela longínqua, para fazer parte do jantar? Quantos de nós não sentimos na pele o desespero em relação à boleia do nosso amigo que dizia com clareza: “estou a chegar, desce”, enquanto o próprio ainda nem de casa tinha saído porque esteve calmamente a preguiçar?

Neste dia que nos celebra, nós, preguiçosos, deveríamos fazer algo mais para nos fazer ouvir, mas dá trabalho. Melhor é ver passar a efeméride enquanto nos coçamos alegremente em nosso humilde lar. Para quê chatear? Os preguiçosos não estão para chatices. Alguém sábio me dizia uma vez que o que queria mais era “sossego e bom trato”. E não é o que todos desejamos? Só que este sábio tinha mais de 80 anos. Eu, a caminho dos 30, desejo sossego intensamente, qual preguiçoso doutorado.

Será difícil encontrar alguém que assuma com certeza a sua não-preguiça. Talvez impossível. Veja-se o caso do indivíduo a quem é custoso estar parado. Aquele que de tudo faz para sair de casa, para se mexer, para não estar na ronha. Aquela pessoa que não consegue sequer estender uma toalha na praia porque sabe que não irá marcar presença na hora de não fazer nada. Até essa ansiosa personalidade, olhando a janela num dia chuvoso de Outono, exclama sem pudor: “amanhã trato disso”.

Nós, os preguiçosos, não entramos em conflitos. Conhecemos o nosso lugar, sabemos onde temos que estar, principalmente aos domingos. Mas quem diz domingos, diz quintas ou segundas. Veja-se o caso do almoço de fim-de-semana, em família, em que os mais velhos já se retiraram da mesa e os mais novos ainda conversam com o café. Para uns, um digestivo, para outros, um pouco mais de sobremesa, para todos: uma valente sesta. Toda a programação do jogo de cartas, do documentário da Netflix ou do passeio para digerir foi por água abaixo. Não controlamos. Da mesa para o sofá são quatro passos e meio. Era impossível não ficar.

Eu, preguiçoso, me confesso: haveria muito mais a explorar sobre este assunto central, mas não me apetece.

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