Justiça chilena aceita queixa contra Piñera por crimes contra a Humanidade

Os 16 advogados acusam o Presidente chileno e o seu Governo de terem “declarado publicamente o seu apoio e dado os parabéns às forças militares e da ordem” quando os relatos de abusos de Direitos Humanos, entre os quais homícidios e violações, aumentavam nas ruas chilenas.

Foto
Os protestos são os maiores desde a queda da ditadura do general Augusto Pinochet, em 1990 Reuters/JORGE SILVA

A Justiça chilena aceitou uma queixa de 16 advogados contra o Presidente chileno, Sebastián Piñera, por crimes contra a Humanidade desde que os protestos começaram, a 18 de Outubro. Suspeitas de abusos às mãos de polícias e militares que levaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a pedir ao Governo para autorizar uma visita para que possa “verificar a situação dos Direitos Humanos no país”. E, entretanto, Piñera aposta numa estratégia para acalmar a contestação ao apresentar uma iniciativa de “diálogo com os cidadãos”.

O processo judicial tem como objectivo “investigar a participação criminal do Presidente Piñera como autor de crimes contra a Humanidade, comprovado por graves violações dos Direitos Humanos, enquadradas num ataque sistemático e generalizado à população civil que foi para as ruas nas últimas duas semanas”, segundo a queixa, citada pela Telesur.

O ex-ministro do Interior, Andrés Chadwick, o director da polícia, Mario Rozas, e o general do Exército Javier Iturriaga já foram convocados a testemunhar. Chadwick fazia parte dos partidários da linha dura do Governo defendiam políticas económicas neoliberais e mão pesada contra os manifestantes, acusando-os de serem “criminosos"

Desde 19 de Outubro, quando Piñera ordenou o estado de emergência e os militares foram para as ruas, que 23 pessoas já morreram, mais de duas mil ficaram feridas (180 perderam um olho) e mais de sete mil foram detidas. Os polícias e militares são acusados de vários crimes, entre os quais homicídio, tortura, abuso sexual, violações e detenções ilegais. São as maiores manifestações, algumas das quais reuniram mais de um milhão de pessoas, desde o fim da ditadura do general Augusto Pinochet, em 1990.

Os advogados denunciam “a enorme quantidade de crimes contra meninas, meninos, jovens, mulheres, idosos e toda a população em geral” e acusam o chefe de Estado e o seu Governo de darem aval à violência ao terem “declarado publicamente o seu apoio e dado os parabéns às forças militares e da ordem”.

Entre as organizações internacionais preocupadas com os abusos está a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que já pediu ao Governo para visitar o país a fim de apurar a situação dos Direitos Humanos. Junta-se à Comissão Observadora enviada pela Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos e ex-Presidente chilena Michelle Bachelet, que está a analisar queixas de vítimas.

Entretanto, os protestos continuam e chegaram pela primeira vez, esta quarta-feira, à zona mais rica e centro financeiro de Santiago do Chile. “Vim para aqui por ser um local icónico de todo o modelo económico”, disse Gonzalo Campos, manifestante, à Bloomberg. “É aqui que toda a gente fina vive e nunca há manifestações. Têm de aprender o quanto estamos descontentes e a única maneira é vir aqui, protestar na cara deles”.

As poucas centenas de manifestantes viram-se em pouco tempo confrontados com a polícia de choque, que, munida de balas de borracha, gás lacrimogéneo e camiões com canhões de água, os reprimiu. Mas o objectivo foi alcançado: a zona ficou perturbada e quem lá trabalha e vive abandonou-a o mais rapidamente possível, com algumas montras de lojas a serem destruídas pelos manifestantes.

As manifestações nesta zona são um acentuar da pressão sobre Piñera e um sinal claro de como as suas promessas e medidas não estão a surtir efeito. Abandonado o tom bélico e de desafio aos manifestantes, o Presidente tem apostado numa estratégia para acalmar os manifestantes, uma semelhante à usada pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, para aplacar os Coletes Amarelos. O chefe de Estado chileno anunciou o aumento do salário mínimo em 16,3% – de 306 mil pesos (368 euros) para 350 mil pesos (422 euros) – e, esta quinta-feira, a intenção de iniciar “diálogos com os cidadãos” – tal como Macron fez com a ideia do “diálogo nacional”. 

“Na próxima semana, o nosso desafio é iniciar o processo de diálogo com esse formato, permitindo que esse debate chegue a todo o país”, disse Piñera. “Não há temas vetados, vamos discutir todas as questões. São os cidadãos que definem a agenda”.

Os chilenos protestam contra a galopante desigualdade social no país, imposta pelo modelo económico neoliberal, legado da ditadura militar de Pinochet. As manifestações começaram com os estudantes a protestarem nas estações de metro contra o aumento das tarifas, entretanto canceladas, e depressa se generalizaram a toda a sociedade, evidenciando um profundo mal-estar social.

Sugerir correcção
Comentar