9.º ano sempre a abrir: apanha-me se puderes

Como pais, professores e sociedade jamais poderemos aceitar uma medida como o fim das retenções no ensino básico.

No meio de tanto que é feito e desfeito, dito e desdito, na educação, chegámos à cereja em cima do bolo. Sem chumbos até ao 9.º ano! Alguns haverá com certeza, mas atenção, muito bem justificados pelos professores (o que dá bastante trabalho) que, de figuras essenciais à educação, passaram a meras figuras de corpo presente, pois de uma maneira ou de outra os seus alunos transitarão de ano. Desmotivação total para os docentes e com toda a razão. Se já era difícil de coordenar turmas completamente insubordinadas, agora então será um exercício sobre-humano.

Para uma educação já de si envolta em múltiplas mudanças curriculares, mais uma se avizinha através de programas que assentem em medidas pedagógicas que promovam a aprendizagem de forma mais individualizada, permitindo assim a transição de ano sem chumbos até ao 9.º ano. Este tipo de programas faz todo o sentido, mas se os professores tivessem liberdade de ensino. Temos salas com imensos alunos onde a abordagem feita é generalizada, pois os tempos de aulas não permitem muito mais e as chamadas metas curriculares têm que ser cumpridas. Temos professores exaustos de investimentos infrutíferos. Temos alunos que estudam cada vez menos, fazendo tudo à última da hora, em “cima do joelho” e com reduzida retenção de conhecimento (não todos, mas muitos). Para já não falar das questões de comportamento que contavam para a classificação e que agora, com estas medidas da não retenção dos alunos, não se entende onde ficam.

Afinal, educamos ou não? Com esta perspetiva que se avizinha, a sociedade que esperamos é deveras imersa em dúvidas, nossas e dos alunos, que se muitos já não sabem que futuro profissional seguir até bem tarde, agora deixarão para o final a sua escolha. As escolhas profissionais jamais se têm que fazer no berço, mas os sonhos, esses, começam desde cedo e o que parece aqui é que sonhar, ter brio no que se faz, progredir no conhecimento, pode ficar para os três últimos anos do secundário, pois ainda há tempo para escolhas. Sim, se o facilitismo continuar, porque se os alunos não aprenderem a estudar até lá teremos que baixar as notas de acesso à faculdade, senão as mesmas ficarão vazias. Parece exagerado, mas não é. Pelo menos ficarão vazias de estudantes com sede de conhecimento e é disso que a vida é feita.

O mais grave é que esta medida da não retenção é feita com base na poupança ao Estado de muitos euros por aluno. Onde estamos a chegar? Cortar na educação desta forma é desmotivante, infeliz e diz tudo acerca de quem pretensamente “manda no país”. Jogar com a educação e o futuro dos jovens e da sociedade é uma medida aberrante, sem nexo e de desinvestimento nos nossos filhos. Pais, jamais aplaudam uma medida destas. Queremos ensino de qualidade, queremos respeito pelas nossas crianças e jovens e também pelos professores. Uma Educação de qualidade é exigente e respeitosa, jamais algo descartável, como parece acontecer.

Seria muito bom vermos os nossos filhos transitarem de ano sem ficarem retidos e cumprirem o percurso académico de forma suave, sem obstáculos (é isto que fazemos – retirar os obstáculos da frente dos filhos). No entanto, será que queremos uma educação sem investimento por parte dos alunos? O mesmo investimento que terão no futuro a nível profissional quando estiverem eles no lugar em que hoje estamos e, quem sabe, no lugar dos nossos governantes. Assim, não contribuímos para a resiliência das crianças e quando se encontrarem sozinhos, sem terem quem os carregue ao colo, o confronto com a realidade será muito mais intenso.

Como pais, professores e sociedade jamais poderemos aceitar que os jovens passem pela escola considerando os anos, sempre a abrir até ao 9.º ano, como um dado adquirido.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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