Juiz condenado por violência doméstica é absolvido pelo Supremo

Magistrado tinha sido condenado pelo Tribunal da Relação de Guimarães. Supremo considerou que “o conceito de maus tratos, essencial ao crime de violência doméstica, tem na sua base lesões “graves, intoleráveis, brutais, pesadas”.

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Francisco Romão Pereira

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um juiz de Famalicão que tinha sido condenado na Relação de Guimarães por violência doméstica, por mensagens que enviou à ex-companheira. Por acórdão de 30 de Outubro, a que a Lusa hoje teve acesso, o STJ sublinha que daquelas mensagens não resultam “lesões” que integrem a figura jurídica de maus tratos, que é essencial no crime de violência doméstica.

“O conceito de maus tratos, essencial ao crime de violência doméstica, tem na sua base lesões “graves, intoleráveis, brutais, pesadas”, refere. Diz ainda que o tipo de linguagem usada pelo arguido nas mensagens era “recíproco” entre o casal.

Acrescenta que, mesmo depois da separação, a ex-companheira continuou a manter contactos com o arguido, “socorrendo-se do mesmo e aproveitando os seus conhecimentos jurídicos, no âmbito de vários processos judiciais”. O arguido foi ainda absolvido do pagamento de uma indemnização à ex-companheira, tendo o STJ concluído que dos autos “não resultam lesões ou danos provocados à assistente”.

Em Setembro de 2018, o Tribunal da Relação de Guimarães tinha condenado o juiz Vítor Vale a um ano e meio de prisão, com pena suspensa, pelo crime de violência doméstica. O arguido fora ainda condenado a pagar uma indemnização de 7500 euros à ex-companheira. Em causa estão mensagens de telemóvel e e-mail que o arguido enviou à ex-companheira, inconformado com o facto de esta ter, em 2011, terminado o relacionamento de quatro anos. Segundo o JN, que também teve acesso ao acórdão, o juiz terá dito à ex-companheira que se iria arrepender porque “os juízes mandam nesta merda toda”.

A Relação considerou que o arguido revelou “desprezo e desconsideração” pela ex-companheira, com “provocações de cariz sexual, insultos e ameaças veladas”. O tribunal deu ainda como provado que o juiz sabia que a ex-companheira estava “particularmente vulnerável” pela morte do pai e que as mensagens lhe provocaram “insegurança, intranquilidade e medo”. Considerou também que os factos “merecem um juízo de censura acrescido pelo facto de o arguido ser juiz”.

Vítor Vale recorreu para o STJ, acabando por ser absolvido. “A relação entre o arguido e a assistente era pautada por troca de e-mails, remetidos por um e por outro, similares aos e-mails do arguido objecto dos presentes autos. O tipo de linguagem era recíproco”, frisa o acórdão do STJ.

O juiz Vítor Vale já foi também condenado a uma pena de multa por um crime de falsidade de testemunho, num processo que envolvia igualmente a ex-companheira. Essa condenação foi confirmada pelo Supremo em Janeiro do ano passado, num acórdão em que considerou que a conduta do arguido constituía “uma negação frontal da ética inerente à condição de juiz”.

A pena foi de 400 dias de multa, à taxa diária de 20 euros, no total de oito mil euros. O juiz foi condenado por prestar falsas declarações com o intuito de prejudicar a sua ex-companheira num processo de herança, vingando-se assim do facto de ela se ter separado dele. Nesse processo, o juiz foi ainda condenado a pagar uma indemnização de cinco mil euros à ex-companheira, por danos não patrimoniais.

Na sequência dessa condenação, o Conselho Superior de Magistratura instaurou um processo disciplinar a Vítor Vale e decidiu aplicar-lhe a pena de “aposentação compulsiva”. Vítor Vale já recorreu.

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