Biorresíduos: Regulador ganha braço-de-ferro com o Ministério do Ambiente

Consultada a PGR, o ministro Matos Fernandes revogou despacho, muito contestado, que entregava a recolha selectiva de biorresíduos à EGF, uma participada do Grupo Mota-Engil.

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O lixo orgânico vai ter de ter uma recolha separada, até 2023 Nuno Ferreira Monteiro

O Ministério do Ambiente viu-se forçado a revogar o despacho que enquadrava a recolha de resíduos orgânicos, ou biorresíduos, nas atribuições exclusivas do grupo EGF, ao qual o Estado concessionou, em 2014, boa parte dos sistemas de gestão de resíduos do país. Considerado, pelo próprio organismo regulador do sector, como um benefício que violava as leis da concorrência, a alteração do âmbito desta concessão teve um parecer negativo do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR), o que levou a tutela a recuar nas suas intenções, para evitar que uma eventual litigância judicial atrasasse investimentos e pudesse pôr em causa as metas de reciclagem.

A decisão, avançada pelo Observador e confirmada ao PÚBLICO pela tutela do Ambiente, segue-se a um processo conturbado, que levou o ministério a pedir uma clarificação à PGR, perante a barreira de críticas que o despacho enfrentou. A existência deste documento tinha sido revelada em Outubro na RTP, e de forma extremamente negativa, pelo presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR). Assinado pelo anterior secretário de Estado do Ambiente, João Ataíde das Neves, fora publicado em Agosto contra o parecer da ERSAR, que acusou o Governo de ultrapassar as competências do regulador, e de estar, sem concurso público, a alargar o âmbito de uma concessão, entregando ao grupo EGF, uma participada da Mota-Engil, uma fatia do mercado de resíduos, o chamado lixo orgânico, cuja recolha, nas áreas onde ela intervém, é da responsabilidade das autarquias, que nalguns casos a delegam na EGF, mas em muitos outros a entregam a outras entidades. 

Como o PÚBLICO explicava, a 18 de Outubro, em causa está um negócio que, nas contas da associação que representa empresas deste sector, a AEPSA, pode valer no mínimo 60 milhões por ano, ou muito mais, dependendo da fracção de biorresíduos que o país venha a conseguir recolher selectivamente nos próximos anos, para cumprir as exigentes metas europeias que obrigam os Estados-membros a reciclar uma fracção cada vez maior do lixo que produzem. Eduardo Marques, presidente desta entidade, não aponta directamente à EGF, detentora de uma quota de 60% do mercado de tratamento em alta de resíduos, mas acusa o Governo de prejudicar as entidades que alimentam esses sistemas, em baixa, recolhendo, para os municípios, os resíduos que produzimos em nossas casas, e os cidadãos, que pagarão tarifas mais altas por esse serviço, avisa. 

Na altura, também os ambientalistas da Zero se atiraram a esta “extensão do âmbito” da concessão da EGF, pelos seus eventuais efeitos no cumprimento das metas de reciclagem. Paulo Lucas, membro desta associação, considerava então errado entregar o exclusivo da recolha selectiva a uma empresa que lucra com as tarifas que os municípios lhe pagam pelo lixo indiferenciado. A Zero teme que, se na área da EGF, a aposta recair num sistema de ecopontos, em vez da recolha porta-a-porta dos orgânicos, o país falhe as metas para este tipo de resíduos e ponha em causa os seus compromissos europeus.

Já a empresa visada, a EGF, que viu cair, por agora, as suas pretensões de garantir o exclusivo desta nova recolha selectiva - que se somaria às de outros recicláveis, estes sob sua responsabilidade, nas zonas onde opera - insistia, então, que “a actividade de recolha selectiva de biorresíduos já é desenvolvida pelas concessionárias desde 2005”.

“Representa hoje 17% da recolha selectiva realizada pelas empresas EGF”, assinalava, notando que “cerca de 9% da energia exportada para a rede nacional pelas empresas do Grupo EGF provém deste tipo de recolha selectiva, bem como cerca de 30 mil toneladas de correctivos orgânicos” produzidos em três centrais de compostagem.

Bloco quer ouvir ministro do Ambiente

Esta terça-feira, o deputado bloquista Pedro Filipe Soares anunciou que o Bloco quer ouvir o ministro do Ambiente assim que a comissão parlamentar esteja preparada. Para o líder parlamentar o chumbo do plano do Governo “tido como inaceitável por parte do Ministério Público” não significa que Matos Fernandes não tenha de se explicar na Assembleia da República. Para Pedro Filipe Soares, “atribuir sem qualquer concurso a exclusividade da recolha destes resíduos à Mota Engil, como o governo fez e como agora o parecer da Procuradoria-Geral da República desfez, tem de merecer uma explicação”. O deputado bloquista pede que sejam esclarecidas as decisões “que visam tornar monopolista o sector em torno de uma empresa da Mota Engil”.

O Bloco de Esquerda quer ainda que o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República seja tornado público “para que o conteúdo dos argumentos possa ser consultado por todos e todas”.

O deputado bloquista lembrou também a intenção do Governo foi, num primeiro momento, “travada pelo Presidente da República”, impedindo que fosse retirada ao regulador a fixação das tarifas “e dessa forma poder ser o governo a definir quais as tarifas do tratamento e da recolha dos bioresíduos”. com Liliana Borges

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