Como a escolha das imagens pode desvirtuar uma decisão

É usual entre árbitros usarmos esta expressão: a primeira impressão e decisão em relação a um lance, quando estamos a arbitrar, é a que normalmente está mais perto da realidade, pois quanto mais tempo temos para decidir ou mais pensamos sobre o lance, mais são as dúvidas e a probabilidade de erro acaba por aumentar. Pois foi isso mesmo que aconteceu este fim-de-semana na 10.ª jornada da Liga. Em dois jogos distintos e em dois lances de natureza diferente, um técnico e outro disciplinar, os árbitros decidiram bem numa primeira análise e reacção, e depois, com a influência do videoárbitro (VAR) e após eles mesmo verificarem no monitor diversas repetições, alteraram a decisão inicial. Do meu ponto de vista, fizeram-no de forma errada. 

Vamos, então, por partes explicar o que aconteceu. No jogo Tondela-Sporting, ao minuto 45+2, Filipe Ferreira, ao projectar-se em tackle deslizante com salto, acabou por, com a ponta do pé e da sola da sua chuteira, acertar no gémeo de Doumbia. Uma falta grosseira, pois esta entrada com força excessiva pôs em risco claramente a segurança e a integridade física do seu adversário, e o árbitro, numa primeira análise, mostrou, de forma correcta, o cartão vermelho.

O VAR, que só pode intervir quando a decisão do árbitro for clara e obviamente errada, ao rever o lance, que faz parte das quatro situações do protocolo, considerou que o contacto que existiu era apenas passível de cartão amarelo e, por esse motivo, propôs que o lance fosse revisto no monitor. Uma vez mais, na minha opinião, as repetições que disponibilizadas ao árbitro não só não foram as melhores, no que diz respeito às câmaras e ângulos usados, como a velocidade da repetição não foi a adequada, ou seja, deveria o lance ter sido mostrado em câmara lenta e ter sido parada a imagem para se ver bem o contacto que existiu e as partes envolvidas nesse contacto (sola da bota e gémeo). Só depois deveria ter-se recorrido às imagens em velocidade normal para que o árbitro tivesse bem a percepção da velocidade, da intensidade e da intencionalidade do tackle

O facto é que o árbitro, após rever o lance no monitor, reverteu a sua decisão inicial e transformou um cartão vermelho num cartão amarelo. Como referi anteriormente, não concordo em absoluto com esta decisão. 

Um segundo lance aconteceu no FC Porto-Desp. Aves, quando, ao minuto 24, o árbitro assinalou penálti por infracção cometida por Afonso Figueiredo sobre Bruno Costa. O lance explica-se de forma simples: o jogador portista, a dado momento, tocou com o pé direito no seu calcanhar esquerdo, acabando por cair. Das duas uma — ou tropeçou nele próprio, simulando assim a infracção, e neste caso o árbitro, ao reverter o lance por indicação do VAR, para além de recomeçar o jogo com livre indirecto teria de advertir o jogador por comportamento incorrecto; ou então a queda deu-se como, acontece em 90% dos casos, porque o jogador defensor, ao aproximar-se em demasia do adversário e pelas costas, acaba por promover o contacto mesmo sem querer, nos calcanhares. 

Ora, as repetições são claras e evidentes, o jogador do Desp. Aves, no acto de corrida, acaba por tocar com a sua canela esquerda no pé direito do jogador do FC Porto, ou seja, era correcta a decisão inicial de marcação de penálti. Por que razão o VAR interveio e por que razão o árbitro alterou a sua decisão final após ver as imagens? Porque, uma vez, mais as repetições escolhidas não foram as melhores, como todos nós vimos nas imagens enviadas a partir da Cidade do Futebol. 

Neste caso, impunha-se uma aproximação da imagem à zona de possível contacto e a paragem da imagem nesse ponto. Depois, era importante puxar um “frame” atrás e outro à frente, para se ver se tinha havido ou não contacto, e posteriormente exibir novamente o lance em velocidade normal, para se ver bem a causa e o efeito. 

Mais do que isso, nas imagens escolhidas pelo VAR e disponibilizadas na transmissão, o VAR ora mostrava um ângulo, ora mudava a perspectiva desse ângulo, o que confundia a leitura, pois tínhamos de estar a ver sempre a perna esquerda que provocou o contacto ou de um lado ou do lado contrário, o que, para um árbitro que tem de dar uma resposta rápida em campo e que está sob a pressão inerente ao jogo, dificulta e muito a sua decisão final, levando, como foi o caso, ao erro, por clara influência do VAR. 

Como já escrevi por diversas vezes, ser VAR implica o conhecimento das leis de jogo, mas, acima de tudo, implica conhecer as potencialidades das câmaras e, sobretudo, ter a capacidade de escolher ângulos certos e apresentá-los na sequência adequada para facilitar o trabalho do árbitro que, no terreno de jogo, nestes momentos cruciais e de grande tensão e ansiedade, precisa de ter a ajuda perfeita para a sua decisão. 

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