E tu, já estiveste desempregado?

Quando não tens emprego não tens nada, não vales nada, não vales nada para os outros, não vales nada ao espelho, não te consegues ver, encarar, olhar de frente, sempre a olhar para baixo no espelho e na rua. Perdeste, ficaste para trás.

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Brandon Wilson/Unsplash

Estar desempregado foi uma delícia. Não para mim, para os vizinhos a olhar de lado para o “Sr. Doutor”. “Lá vai o Sr. Doutor, o filho da Sra. Doutora, coitado”, os vizinhos a olhar de lado e a abanar a cabeça à minha passagem pelo café da esquina a caminho de casa, a caminho da rua, todos os dias os vizinhos a abanar a cabeça num juízo ininterrupto, constante, certo, definitivo, justo, meritório, assim justificando o porquê de nunca terem tirado um curso.

Para quê um curso se no fim espera o desemprego? Dormir em casa dos meus avós em Lisboa para poder estar às 6 horas na fila da Segurança Social, mesmo a tempo de apanhar o cacilheiro para o Centro de Emprego em Almada, onde tenho habilitações a mais. Não posso fazer limpezas, mas quero fazer limpezas, não posso trabalhar num restaurante, mas quero trabalhar num restaurante, ninguém quer nem professores nem formadores e no fim o subsídio, já não é mau, pelo menos durante alguns meses.

Mas os meses chegam ao fim e não há tempo a perder.

E os meses chegaram ao fim, apesar do curso, apesar das entrevistas, a pedir por favor, um homem já feito, ou talvez não, nem sequer fui à tropa, ainda a viver às custas da família e graças à família.

Uma vergonha. Quando não tens emprego não tens nada, não vales nada, não vales nada para os outros, não vales nada ao espelho, não te consegues ver, encarar, olhar de frente, sempre a olhar para baixo no espelho e na rua. Perdeste, ficaste para trás apesar dos amigos em cargos tão remuneradores como seguros na universidade, no ministério, na câmara.

E não sei porquê, porquê eles e não eu, que mal terei feito para merecer tal sorte? O melhor aluno da turma, o melhor talvez não, dos melhores, média de 17, nada mau, a minha mãe e os meus avós só me pediam para estudar e eu estudei, Biologia, mau grado, mais um sem trabalho a querer salvar o mundo! O mundo não, só os ursos polares.

E toda a gente a rir.

E, no entanto, o incentivo, o encorajamento, nunca me dissuadiram, amaram-me como era e o que fosse do futuro seria, logo se vê, quando lá chegarmos, chegamos. E chegámos.

Eu, pelo menos, cheguei. Sem dinheiro, sem esperança, culpando-me todos os dias, o sexo inerte, incapaz, vencido, encolhido, derrotado, invisível, a querer esconder-me de todos, do mundo.

A humilhação de não ter resposta quando me perguntavam na rua, no café, em casa de amigos ou familiares o que andava a fazer, como se eles não soubessem, perguntando à mesma por maldade, o sabor da perfídia espetada nas costas e eu de joelhos, outra vez, e eles com o pé empurrando-me um pouco mais para baixo, outra vez, sempre um pouco mais, sempre para baixo.

Daqui à depressão é um passo, pensei. E depois? Também pensei.

Pensei, pensei, pensei e cheguei à conclusão de ser bom a pensar e isto não é uma piada. É antes a decisão de voltar à universidade, voltar a estudar para os exames nacionais e concorrer para Enfermagem, deixando a Biologia e o desemprego para trás de uma vez por todas. Assim já não teria de emigrar.

Ainda tinha força nas mãos. Seis meses depois e com 19 valores a Biologia e Psicologia, entrei para Enfermagem.

O futuro de portas abertas outra vez e a esperança no peito cheio de ar. Já não estava desempregado e, apesar de não trabalhar, estudava na certeza do emprego no fim do curso. Ou assim pensava. 

O resto? O resto são outras histórias. Entretanto voltara a sorrir e às vezes pouco mais importa.
 

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