Macron assume-se como a voz da UE no diálogo com a China

Presidente francês levou ministra alemã e comissário europeu na sua comitiva para Xangai e Pequim. Objectivo é “renovar a relação” entre os dois blocos, vincando as diferenças para os EUA.

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Reuters/POOL

Enquanto a presidente eleita da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, não inicia formalmente o seu mandato, e com o actual executivo comunitário a assegurar apenas a gestão dos assuntos correntes, Emmanuel Macron não se importa de vestir a pele do líder da Europa para audiências estrangeiras: o Presidente de França será o cabeça de cartaz da delegação de líderes europeus que participa esta terça-feira na abertura da Exposição Internacional de Importações da China — um convite que outros dirigentes declinaram por considerarem o evento como uma acção de propaganda de Pequim.

A inauguração da gigantesca feira comercial em Xangai foi a primeira paragem de uma visita de Estado que o serviço de imprensa do Palácio do Eliseu não se coibiu de descrever num tom vincadamente mais “europeísta” do que francês. “A voz unida da União Europeia é essencial na relação com a China. A viagem do Presidente da República inscreve-se nesta vontade de renovar a relação entre a UE e a China, com uma abordagem coordenada entre os Estados membros”, sublinha um comunicado da presidência francesa.

A mensagem que Paris procurou transmitir antes da partida de Macron para a sua segunda visita à China em dois anos era de que a sua missão tem muito mais a ver com a promoção da agenda europeia do que com a defesa dos interesses particulares da França — ainda que o Presidente vá inaugurar uma filial do Centro Pompidou em Xangai e, presumivelmente, pôr a sua assinatura em dezenas de contratos de negócio entre empresas gaulesas e chinesas nos sectores da aeronáutica, agricultura, banca, saúde ou turismo.

Na lógica de Macron, a sua deslocação a Xangai e Pequim é o sinal da “frente unida europeia” e da sintonia estratégica da Europa no processo negocial em curso sobre as condições de concorrência e acesso ao mercado chinês pelas empresas europeias (uma pequena alfinetada à chanceler alemã, Angela Merkel, que nas suas sucessivas visitas à China tem procurado sobretudo assegurar o fluxo das exportações do seu país).

“Uma vez que a feira de Xangai serve para demonstrar a abertura da China aos mercados internacionais, pensamos que temos aqui uma oportunidade para o provar, por exemplo garantindo o acesso para o agronegócio; por exemplo com progressos nos acordos de parceria com a União Europeia; por exemplo com compromissos em termos de transparência no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC)”, notou um conselheiro presidencial à Reuters.

“Precisamos de avançar com as negociações bilaterais entre a União Europeia e a China; temos absolutamente de evitar que a Europa se transforme numa vítima ou baixa colateral de um futuro acordo comercial entre os Estados Unidos e a China”, justificou um porta-voz citado pelo Politico, lembrando que já no Verão Macron tinha chamado a atenção dos parceiros europeus para o possível impacto negativo de uma “trégua” na guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.

Como sempre acontece nestas viagens oficiais, Macron levou consigo um grupo de cerca de 30 empresários franceses, mas o que mais chamou a atenção dos analistas foi a “dimensão europeia” da sua comitiva, que inclui a ministra alemã da Educação e Investigação, Anja Karliczek, uma selecção de empresários germânicos e um comissário europeu. Porém, como precisou ao PÚBLICO um porta-voz da Comissão Europeia, apesar de ter viajado à boleia do Presidente francês, e das suas agendas (e objectivos) serem parcialmente coincidentes, o comissário da Agricultura, Phil Hogan, não integrava a comitiva francesa. Juntamente com a comissária do Comércio, Cecilia Malmstrom, o irlandês participa numa mini sessão ministerial da OMC, e mantém contactos com câmaras de comércio e responsáveis governamentais chineses.

“A delegação de Macron na viagem à China: não é perfeita, mas é uma boa pista do que pode ser uma política europeia séria em relação à China”, considerou o correspondente da Economist, Jeremy Cliff. “É desta forma, mostrando a sua coesão, que a União Europeia deve combater a abordagem da China de dividir para reinar”, concordou Ulrike Franke, especialista do European Centre on Foreign Relations.

Na sua reunião bilateral com Xi Jinping, o Presidente francês seguirá mesmo guião da UE de defesa de um sistema multilateral forte, com regras comuns entre os Estados e cooperação reforçada — no Conselho de Segurança da ONU, na OMC ou no cumprimento das metas do Acordo para o Clima de Paris. As questões mais delicadas — desde a controversa participação das empresas de telecomunicações chinesas nos concursos para o 5G às questões do respeito pelos direitos das minorias pelo Governo de Pequim ou a repressão das manifestações em Hong Kong — deverão ficar em segundo plano. “Certamente teremos um diálogo construtivo, sem críticas mútuas”, estimou o responsável pelos assuntos Europeus no Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Zhu Jing. “Não há necessidade de politizar assuntos do foro interno que não são relevantes para a agenda diplomática”, considerou.

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