Campanha de desobediência civil no Iraque “até à queda do regime”

Cinco mortos em Bagdad e três em Kerbala nos mais recentes protestos no Iraque. Já morreram 250 pessoas desde o início de Outubro.

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Manifestante com uma fisga em Bagdad Ahmed Jadallah/REUTERS

Pelo menos três pessoas morreram no domingo à noite durante protestos na cidade de Karbala em frente ao consulado do Irão. As manifestações anti-governamentais no Iraque não parecem vir a desmobilizar e para os próximos dias está planeada uma campanha de desobediência civil e greves para parar o país.

Esta segunda-feira, foram pelo menos cinco os mortos em Bagdad depois de a polícia abrir fogo sobre os manifestantes que marchavam perto da ponte de Ahrar, diz a Reuters. Desde que a onda de protestos começou, há cerca de um mês, já morreram 250 pessoas naquelas que já são as manifestações anti-governamentais mais poderosas das últimas décadas.

Para esta semana foi convocada uma campanha de desobediência civil para parar o país com consequências imprevisíveis. Tahssine Nasser, de 25 anos, diz à AFP que “cortar as ruas” permite enviar “uma mensagem ao Governo” - uma resposta ao apelo do primeiro-ministro Adel Abdul Mahdi para que se “regresse à normalidade”​.

“Vamos manter-nos nas ruas até à queda do regime e à saída dos corruptos e ladrões”, afirmou Nasser. Os protestos começaram a 1 de Outubro, mas tomaram novo fôlego a partir de dia 24, e são organizados por estudantes e sindicatos. Juntos, multiplicaram os apelos à desobediência civil. Os sindicatos de professores, engenheiros, médicos e advogados declararam ainda greve geral, paralisando a maior parte das escolas públicas e dos serviços administrativos na capital e no sul do país, diz a AFP. 

A contestação é motivada sobretudo pela percepção de que tem sido a classe política do pós-guerra quem tem gozado dos ganhos proporcionados pela exploração petrolífera – a economia iraquiana depende quase em exclusivo do petróleo. O desemprego jovem é tão elevado que há dois anos que o Governo não publica dados sobre esta realidade.

A imagem de dezenas de manifestantes em frente às paredes militarizadas da Zona Verde, a área de Bagdad onde estão sedeados os principais edifícios governamentais e onde moram os governantes, tem sido o reflexo de um protesto contra as desigualdades económicas e contra a classe política.

Mas os protestos em Karbala, uma cidade sagrada para os xiitas a cerca de 100 km a sul da capital, tiveram como alvo principal o Irão. Os protestos de domingo tornaram-se mais violentos quando um grupo de manifestantes tentou subir os muros que envolvem o consulado iraniano. Nas paredes foram pintadas frases como “Karbala é livre” e “Irão fora, fora”, escreve a Al-Jazira.

Contra todo o sistema

Grande parte dos manifestantes condena o que encaram como a influência do regime iraniano sobre o Iraque, mas as suas raízes são sobretudo políticas e não sectárias ou religiosas, como era hábito. Esta desconfiança face a actores externos estende-se também aos EUA, que são um dos pilares do sistema político instaurado na sequência do derrube de Saddam Hussein.

“A espinha dorsal da política iraquiana é um sistema sectário de despojos que foi cristalizado pela ocupação dos EUA”, observa o especialista do Council on Foreign Relations, Max Boot. “O Presidente é curdo, o primeiro-ministro xiita, e o presidente do Parlamento um sunita. Cada bloco sectário tem as suas próprias facções que dividem os rendimentos do Governo entre si. Tanto os Estados Unidos como o Irão apoiam tacitamente este sistema, mas a maioria dos iraquianos não.”

O primeiro-ministro, Adel Abdul Mahdi, mostrou-se disponível para se afastar do cargo. Porém, a “normalidade” é tudo aquilo que os manifestantes, sobretudo jovens sem trabalho nem esperança de o conseguir, rejeitam neste momento.

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