Evolução salarial em Portugal: a lenta convergência para uma média imóvel

Um famoso industrial norte-americano terá dito no inicio do seculo XX que o segredo do sucesso é fazer o “melhor produto, ao menor custo, pagando o mais alto salário possível”. Seremos capazes de fazer isso?

A formação, repartição e distribuição dos rendimentos constitui um tema central em qualquer economia moderna. Neste âmbito, ganham particular relevo as questões relacionadas com as políticas salariais que, pelas razões óbvias, não podem estar dissociadas das matérias de produtividade.

Para compreender melhor esta problemática, importa analisar em detalhe a evolução da remuneração de base média mensal, bem como o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem (TCO). Conforme se constata, a remuneração de base mensal subiu de 942,4€ em 2010 para 972,5€ em 2017 (+3,2%), enquanto o ganho médio mensal passou, em igual período, de 1118,5€ para 1150,6€ (+2,9%).

Se ajustarmos estes valores à inflação, os resultados são ligeiramente diferentes. Com efeito, a preços de 2010, a remuneração de base mensal desceu cerca de 5,5% entre 2010 e 2018, enquanto o ganho médio mensal caiu 5,8%.

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Por outro lado, constata-se que a evolução real da remuneração de base e do ganho mensal ficou aquém da modesta evolução da produtividade que, no período em causa, terá crescido apenas 1,5%.

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Numa outra perspetiva, constata-se que, em 2016, a generalidade dos TCO (66,1%) recebia mensalmente menos de 1000€, valor idêntico ao observado em 2011, sendo que apenas 6% recebia uma remuneração de base superior a 2500€ (tal como em 2011).

Saliente-se que a estagnação da remuneração de base e do ganho mensal, bem como do universo de trabalhadores a receberem uma remuneração inferior a 1000€, registou-se num período em que o salário mínimo subiu mais de 17%, o que se traduziu numa subida do rácio entre o salário mínimo e a remuneração de base média de 50,4% em 2010 para 57,3% em 2017. 

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O fenómeno de convergência das remunerações para a média observado nos últimos anos fica ainda mais claro quando comparamos a evolução da remuneração média de base do universo dos trabalhadores menos bem remunerados (1.º e 2.º quartil) com a evolução da remuneração média de base do universo dos trabalhadores mais bem remunerados (3.º e 4.º quartil). Conforme se constata, a remuneração do primeiro grupo (1.º e 2.º quartil) subiu 42% entre 2002 e 2016, enquanto a do segundo grupo (3.º e 4.º quartil) subiu apenas 32,1%. Refira-se que, em termos reais (descontada a inflação), os trabalhadores menos bem remunerados obtiveram um ganho de 1,1% entre 2015 e 2016, enquanto os mais bem remunerados perderam, em termos reais, 1,2%. 

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A evolução negativa da remuneração real pode ainda ser visível a partir de um outro prisma. Com efeito, se em 2011 eram necessários 112 meses de trabalho para adquirir um imóvel de 100m2 na Área Metropolitana de Lisboa, tendo por base a informação disponível a agosto de 2019, será preciso trabalhar mais 24 meses (ou seja, 136 meses) para atingir igual objetivo. 

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Resumidamente, os dados disponíveis permitem-nos concluir que a remuneração média dos trabalhadores por conta de outrem estagnou na última década, com dois terços dos TCO a ganharem menos de 1000€ por mês (metade a ganhar menos de 800€), tendo-se observado, simultaneamente, um fenómeno de “convergência” dos salários para essa média (todos iguais?).

Este fenómeno não pode ser explicado apenas por razões conjunturais de curto prazo. Com efeito, são razões estruturais que estão na base da medíocre trajetória dos salários em Portugal, nomeadamente as que resultam de uma estrutura produtiva concentrada na componente da cadeia de valor de menor valor acrescentado, associada ao inadequado modelo organizativo de muitas empresas e à baixa produtividade do fator trabalho (ou, quando ela existe, a não tradução desses ganhos de produtividade na remuneração).

A natureza estrutural (e complexa) do problema significa, também, que a sua resolução só é possível num quadro de reflexão que ultrapasse os espartilhos ideológicos tradicionais. De igual forma, pela sua multidimensionalidade, não se espere que tudo fique resolvido com um simples decreto.

Numa pequena economia aberta como a portuguesa, o crescimento económico só é possível se conseguirmos reter e atrair os melhores recursos. Neste contexto, o futuro do país continuará adiado se os trabalhadores mais qualificados, e em particular os mais jovens e talentosos, tiverem como única expectativa continuarem a ser tratados como “geração dos 1000€”.

Um famoso industrial norte-americano terá dito no inicio do seculo XX que o segredo do sucesso é fazer o “melhor produto, ao menor custo, pagando o mais alto salário possível”. Seremos capazes de fazer isso?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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