Pais ao fim-de-semana

São inúmeros os casos de pais que não conseguem passar tempo de qualidade com os filhos durante a semana. O trabalho não permite. Sai-se tarde e a más horas e as crianças já estão a dormir. A política de trabalho portuguesa só permite ser pai ao fim-de-semana.

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Portugal teve em 2018 a quarta taxa de natalidade mais baixa dos países da União Europeia. Apesar do baby boom sentido em 2019, com o número de nascimentos até ao mês de Agosto a atingir o valor mais alto dos últimos sete anos, o mesmo não será suficiente para colocar o nosso país em posições superiores no ranking. São vários os factores que pesam na decisão de ter um filho, desde estabilidade financeira, carreira, políticas de natalidade, mas há um muito importante e que parece esquecido pelos políticos e empresas — o tempo.

O tempo passado no local de trabalho é, por vezes, absolutamente surreal. Quando em conversa com amigos oriundos de outros países como Inglaterra, Dinamarca, Alemanha, Estados Unidos (a lista pode ser interminável) se fala sobre o tempo que despendemos no local de trabalho, a reacção é sempre a mesma: como é que isso é possível? É produtivo? A resposta é obvia: não é! Mas a cultura de trabalho portuguesa funciona assim. Alguém que saia do escritório às 17h porque foi eficiente e produtivo é mal visto, mal interpretado, encarado como aquele que não quer trabalhar, o “baldas”. Congratula-se o funcionário ineficiente, o que sai do trabalho as 21h ou quiçá 23h, mesmo que das 12 horas passadas no escritório apenas metade ou menos tenham sido efectivamente rentáveis e não passadas em cafés e “conversetas”.

Do tempo passado no local de trabalho retira-se o tempo para estar em casa, em família. Como pode a população portuguesa activa pensar em ter filhos quando não tem tempo para eles? Quando não existem creches suficientes? Quando não se tem na cidade onde se trabalha o apoio dos pais e familiares mais próximos? E, mesmo havendo, será justo só conseguir ser mãe ou pai ao fim-de-semana? Só conseguir estar com a família cinco ou dez minutos por dia?

Infelizmente esta é a realidade de milhares de portugueses. São inúmeros os casos de pais que não conseguem passar tempo de qualidade com os filhos durante a semana. O trabalho não permite. Sai-se tarde e a más horas, horas estas em que muitas vezes as crianças já estão a dormir. A política de trabalho portuguesa nem sequer permite aos pais  jantar com os filhos, quanto mais estar às 18h à porta da escola para recebê-los de braços abertos. A política de trabalho portuguesa só permite ser pai ao fim-de-semana.

Será justo ter de escolher entre a maternidade e a carreira profissional depois de tantos anos de estudo e tanto investimento pessoal e financeiro? Será justo só conseguir ser visto como um profissional competente e promissor se permanecer no escritório durante mais de 12 horas? Será justo comprometer a minha evolução na carreira por querer ter filhos e estar efectivamente presente?

É cada vez mais urgente mudar as políticas das empresas, procurar alcançar um equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar. É essencial falar-se deste tema e pensar em soluções reais para o solucionar. Antes de se pensar em qualquer outro incentivo para fomentar a natalidade, é necessário pensar na indisponibilidade de tempo para estar com a família, para se criar uma família. Aqui há dias ouvi numa entrevista: “Os nossos funcionários têm máxima liberdade, máxima responsabilidade”, não se guiam por “horários”, têm tarefas para realizar. Não esquecendo as dificuldades de aplicação desta metodologia de trabalho em certas profissões e não esquecendo o abuso a que a mesma poderia levar, será este o caminho que devem as empresas seguir?

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