Resposta a Isabel de Santiago

A intervenção de Isabel de Santiago no debate pautou-se por um inaceitável paternalismo em relação ao povo cabo-verdiano.

Sou membro da Associação Caboverdeana, associação que tem um papel importante na sociedade portuguesa, agregando uma diáspora, divulgando uma cultura, promovendo debates, organizando lançamento de livros e exposições de pintura, recebendo personalidades, unindo povos. Nesta casa participei, nos últimos anos, no curso de Língua cabo-verdiana e em múltiplas atividades.

Alertado por convocatória oportuna, aí fui assistir a um debate entre candidatas negras ao Parlamento. Surpreso pelo debate ser entre Joacine Katar Moreira do Livre e Isabel de Santiago (IS) da Iniciativa Liberal, sentei-me a escutar as duas intervenções.

Não fui, pois, arregimentado pelo Livre, partido a que não pertenço, sendo bem conhecida de todos a minha diferente cor partidária. Eis, pois, uma primeira falsidade, um juízo apressado de quem quer acusar os outros inventando pretextos, distorcendo a realidade.

Quanto à acusação de estupidez não a refuto primeiro porque concordo com Einstein e depois porque me parece um remoque mais aplicável a quem imputa aos outros factos falsos mas facilmente desmentíveis como a minha filiação no Livre.

“Preto” surge, muitas vezes, associado ao insulto baixo, e ao racismo acintoso, preferindo comunidades africanas usar como palavra mais adequada “Negro”. Tal não deve ter passado desapercebido a IS. Assim não sei qual o intuito da autora ao usar uma terminologia no mínimo ambígua. Não fora a máxima de Einstein e este poderia ser um tema de debate com IS.

A doutora Joacine Katar Moreira não precisa de advogados de defesa. Eu posso apenas ser testemunha imparcial. Participei em diversas lutas a seu lado. É uma mulher com uma personalidade forte, com uma cultura sólida, com uma determinação notável, com uma grande coerência nas suas convicções. Nunca detetei qualquer sinal de ódio a IS, nem a Portugal, nem a quem quer que seja. Nunca a vi servir-se da política, mas vi-a, bastas vezes, servir desinteressadamente a comunidade.

Posso, pois, testemunhar que as palavras de IS não passam de invenções.

A intervenção de IS no debate pautou-se por um inaceitável paternalismo em relação ao povo cabo-verdiano apresentando-o como pobre, miserável e a precisar da caridade europeia. Não gostei e no final das intervenções, no tempo para perguntas da assistência, pedi a palavra e fiz uma pergunta à doutora Joacine Katar Moreira e alguns comentários à intervenção de IS.

Portugal colonizou durante séculos Cabo Verde (CV). Quando foi forçado pela luta do PAIGC a aceitar a independência, deixou para trás um país dos mais pobres do planeta, um país com mais de 90% de analfabetos e com mais de 90% das pessoas sem acesso à eletricidade. Hoje, 40 anos volvidos, CV tem mais de 90% da população alfabetizada e igualmente mais de 90% das pessoas com acesso à energia elétrica. E deixou de ser um país pobre para passar a ser um estado de rendimento médio. Notável trabalho do povo cabo-verdiano. Péssima herança colonial que ainda hoje pesa sobre CV. Não ver o peso desse legado é inaceitável, culpar os cabo-verdianos pelos males provocados pelo passado que os acorrentou ao subdesenvolvimento é não querer ver a realidade. Tratar os cabo-verdianos “de cima para baixo” é um insulto e um traço claro de racismo. Eis o que lhe disse, sem ódio, de olhos nos olhos, mas com firmeza e convicção e, agora aqui, repito.

Um comentário sobre a afirmação de que as leis não mudam comportamentos. De facto apesar das leis continuam a cometer-se assassinatos. Mas os criminosos são presos e castigados, para correção própria e exemplo de outros. Tais leis diminuem drasticamente os assassinatos. Quando não era proibido fumar em espaços fechados havia fumo por todo o lado. A lei alterou radicalmente esse comportamento. Por isso são precisas leis que punam o racismo, a discriminação e a segregação e assegurem o acesso de todos aos cargos políticos, ao ensino superior, ao trabalho na função pública e aos lugares cimeiros em todas essas áreas. Para que certos comportamentos sejam erradicados.

A finalizar uma última palavra de concordância com IS. Percebo quando diz que por dentro é preta. É que se lhe apagou a luz interior que ilumina a inteligência e alimenta o coração reinando agora uma enorme escuridão que a leva a ver o que não existe e a insultar os outros. Lamento profundamente.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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