Primeiro-ministro libanês demite-se devido a vaga de protestos

Manifestações transversais no Líbano põem pressão sobre o regime e todos os seus actores. Governador do Banco Central diz que o país está a “dias” do colapso económico.

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Polícia intervém depois de elementos do Hezbollah atacarem manifestantes que bloqueavam uma estrada MOHAMED AZAKIR/Reuters

O primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, anunciou a sua demissão do Governo de unidade que chefiava na sequência de enormes protestos no país, que juntaram pessoas de todas as idades, grupos étnicos, religiosos e das várias regiões do Líbano. “Chegámos a um impasse”, disse.

As manifestações começaram a 17 de Outubro, com o anúncio de planos para impostos sobre o tabaco, a gasolina e as chamadas de WhatsApp, numa altura em que o custo de vida aumenta assim como a taxa de desemprego. O Governo apressou-se a retirar a proposta, mas o movimento já tinha evoluído para um protesto maior, contra a corrupção e a má administração do Governo que junta a maioria dos partidos. Um pacote de medidas apresentado a semana passada por Hariri, prevendo cortes de salários de altos funcionários do Governo, também não fez ninguém desmobilizar.

“O povo quer a queda do regime”, gritam as pessoas nas ruas, insultando, um por um, todos os líderes políticos. “Todos quer mesmo dizer todos”, gritaram – ninguém está acima de críticas. A participação de novos e velhos, sunitas e xiitas, pessoas do Sul e do Norte, é muito relevante num país muito dividido em termos sectários, com estruturas de poder que no final da violenta guerra civil (1975-1990) foram fixadas por grupos: o primeiro-ministro é sempre um sunita, o líder do Parlamento um xiita, o Presidente um cristão maronita. 

Os manifestantes pediam a demissão de Hariri, mas dizem que isso não é suficiente – querem mesmo uma “revolução moderna”, uma mudança de regime.

Violência aumenta nas ruas

Nas ruas, as manifestações foram marcadas por violência. Esta terça-feira, homens armados do Hezbollah atacaram manifestantes que cortavam uma estrada em Beirute, derrubando as suas tendas, perante uma inicial passividade da polícia. Só passado um pouco é que os polícias reagiram, usando gás lacrimogéneo para dispersar todos, segundo a agência Reuters.

A agência britânica nota que este foi o mais grave incidente nas ruas de Beirute desde 2008, quando homens armados do Hezbollah protagonizaram uma tomada de controlo da parte da ocidental da capital das mãos do exército leal a Hariri e seus aliados. Estes conflitos, em que morreram 11 pessoas e 30 ficaram feridas, surgiram numa altura de impasse político que durava há um ano e meio; depois da violência, os adversários acabaram por chegar a um acordo político. 

Esta é a primeira vez, notaram alguns analistas, que protestos no Líbano se estendem ao Sul, bastião do Hezbollah – cuja resistência a Israel e as baixas que impôs ao muito mais poderoso exército do Estado hebraico na guerra de 2006 deu à milícia uma reputação de força a temer (como dizia uma avaliação da Brookings Institution, se Israel não perdeu a guerra, certamente não a ganhou). O Hezbollah, apoiado pelo Irão, tornou-se entretanto num poderoso actor regional, intervindo ainda na guerra da Síria ao lado das forças iranianas e russas, apoiando o regime de Bashar al-Assad. É uma das mais importantes forças no Líbano.

Na segunda-feira, o governador do Banco Central, Riad Salame, disse à CNN que o Líbano está “à beira do colapso” a não ser que seja encontrada uma “solução imediata” que faça acabar os protestos que têm paralisado o país. A dimensão da dívida pública em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) do Líbano é uma das maiores do mundo: mais de 150% do PIB, ou seja, mais de 77 milhões de euros.

A demissão de Hariri pode complicar a formação de outro Governo, que veria um papel maior do Hezbollah que reflectisse o aumento da sua importância. Mas traria mais dificuldades ao Líbano para obter financiamento externo - Hariri é também a ligação com os dadores árabes sunitas. 

Também por isto, o Hezbollah está a olhar para estas manifestações com apreensão: o seu líder, Hassan Nasrallah, avisou no sábado que uma mudança no Governo só iria piorar a situação.

O Presidente, Michel Aoun, disse que “está a estudar” o pedido de Hariri. Pode decidir não o aceitar e pedir-lhe que reconsidere, ou começar consultas para um novo governo, diz a estação de televisão Al-Jazira. A coligação liderada por Hariri, que tomou posse em Janeiro, demorou nove meses a ser negociada.

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