Sócrates nega pressão de Salgado e atira a Passos Coelho

No primeiro dia de interrogatório, o ex-primeiro-ministro negou que tivesse recebido qualquer dinheiro do primo. À saída não quis prestar declarações.

Sócrates à chegada ao tribunal
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Sócrates à chegada ao tribunal Daniel Rocha
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,Operação Marquês
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José Sócrates afirmou, esta segunda-feira, no Tribunal de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa, que nunca recebeu dinheiro do primo José Paulo Bernardo Pinto de Sousa, também arguido neste processo da Operação Marquês, e ainda negou que no seu Governo tenha cedido a pressões por parte de Ricardo Salgado para votar contra a OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom (PT). 

Aliás, no início do interrogatório, o antigo governante disse que queria prestar declarações sobre “todos os factos e não factos” da acusação, que classificou de alucinada.

Ivo Rosa, juiz de instrução, focou este primeiro de quatro dias de interrogatório nas questões ligadas à Portugal Telecom (PT). Belmiro de Azevedo e Paulo Azevedo, da Sonae (proprietária do PÚBLICO), lançaram em 2006 uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a PT, na altura liderada por Henrique Granadeiro e Zeinal Bava. Mas Ricardo Salgado, do Banco Espírito Santo (BES), opunha-se ao negócio por temer perder o controlo da operadora de telecomunicações e terá subornado José Sócrates para impedir que fosse por diante, sustenta a acusação. Como? Com o voto contrário da Caixa Geral de Depósitos (CGD), accionista da PT, onde na altura Armando Vara, também arguido neste processo, era administrador. 

Seguindo o rasto do dinheiro, o Ministério Público concluiu que José Sócrates terá recebido seis milhões de euros em luvas por este “favor”. Recorde-se que num dos interrogatórios o antigo primeiro-ministro disse que “nunca” se relacionou com banqueiros. “É falso que tenha tido uma relação de proximidade com Ricardo Salgado”, garantiu, apelando para a falta de lógica da imputação segundo a qual recebeu seis milhões para que a Caixa Geral de Depósitos, accionista da Portugal Telecom, votasse contra a oferta pública de aquisição. “A OPA teria perecido na mesma” ainda que a CGD votasse favoravelmente, apontou o arguido durante interrogatórios anteriores. “Então o doutor Ricardo Salgado ia pagar-me uma fortuna por um voto de que não precisava?”. Porém, para os procuradores este argumento não é suficiente: o banqueiro não sabia à partida se ia ou não necessitar dele, razão pela qual mais valia jogar pela certa.

Esta segunda-feira Sócrates alegou que terá sido Paulo de Azevedo e não Ricardo Salgado a pedir-lhe que o seu governo votasse a favor da compra da PT pela Sonae. Sócrates contou que recebeu uma chamada de Paulo de Azevedo — filho de Belmiro de Azevedo — a pedir-lhe para a Caixa Geral de Depósitos votar a favor da OPA da Sonae. Se algum dia a PT esteve capturada pelo Grupo Espírito Santo foi na altura em que Passos Coelho chefiou o Governo, atirou o antigo líder socialista. 

O antigo governante foi também questionado sobre as declarações prestadas pelo primo de Ricardo Salgado. O também banqueiro José Maria Ricciardi, no seu depoimento como testemunha, a 17 de Fevereiro de 2017, disse que José Sócrates se reunia com frequência com Ricardo Salgado, durante o período em que foi primeiro-ministro. Segundo Ricciardi, as reuniões eram feitas com alguma cautela. Tanto que ambos deixavam os telemóveis fora das salas onde se encontravam.

Além disso, Ricciardi disse igualmente que Manuel Pinho foi indicado para ministro da Economia do Governo de José Sócrates pelo próprio Ricardo Salgado. A este propósito, o antigo governante negou as afirmações e disse que se sentiu injuriado com as declarações do primo de Salgado, que classificou de delírios. E quando quis falar de Manuel Pinho, Ivo Rosa interrompeu e disse que a questão da nomeação de Manuel Pinho não consta do processo. Ou seja, deste processo.

Em cima da mesa esteve também o negócio da venda da Vivo à Telefonica e a compra da Oi. Em causa está a venda à operadora espanhola das acções da PT na brasileira Vivo e o cruzamento de posições accionistas com a operadora brasileira Oi, no qual interveio José Dirceu, o principal rosto do caso Mensalão e também implicado na Operação Lava-Jato. Aqui, José Sócrates declarou que o veto que exerceu para inviabilizar a transacção foi em defesa dos interesses do Estado. 

Já sobre o primo José Paulo Bernardo Pinto de Sousa, Sócrates disse que quando foi para o Governo até o deixou de ver e nega ter recebido dinheiro deste. José Paulo Bernardo Pinto de Sousa está acusado de dois crimes de branqueamento de capitais, ambos em co-autoria com José Sócrates, Ricardo Salgado, Helder Bataglia e Carlos Santos Silva.

De acordo com o Ministério Público, o primo de Sócrates terá recebido cerca de nove milhões de euros entre 2000 e 2007. José Paulo Bernardo Pinto de Sousa terá autorizado que contas bancárias sediadas na financeira UBS (Suíça) e tituladas por sociedades offshores, mas controladas por si, fossem utilizadas para movimentar verbas que alegadamente se destinavam a Sócrates. Essas sociedades eram a Gunter Finance Limited (domiciliada nas Ilhas Virgens Britânicas) e a Benguela Foundation (Panamá).

À entrada, o antigo governante, que chegou pouco antes das 13h30 ao TCIC,  disse aos jornalistas que ia fazer uma breve declaração. “Vou fazer o que tenho feito ao longo destes cinco anos. Repor a verdade”, disse. “É, bem sei, um longo caminho, um caminho mais árduo do que aquele que fazem os que fazem alegações completamente infundadas e absurdas até.” E acrescentou: “Repor a verdade. É isso que vou fazer”. 

Já o procurador Rosário Teixeira afirmou não estar à espera de novidades. “Não espero ouvir nada de novo. As matérias foram ouvidas ao longo do inquérito”, disse à chegada ao tribunal. Sublinhou que o interrogatório é um acto de defesa que vários arguidos fizeram também. “É natural que [Sócrates] pretenda prestar depoimento”, afirmou aos jornalistas.

Sobre os recursos que o Ministério Público fez para a Relação, Rosário Teixeira disse que não há motivo para atrasarem a decisão instrutória. Os três recursos que ainda estão pendentes são os que poderão ter impacto na acusação. Em causa estão vários depoimentos de arguidos da Operação Marquês que foram realizados noutros processos, mas foram apresentados como prova neste caso, o que Ivo Rosa considera que não pode acontecer por não ter cobertura legal. Nessa situação estão dois depoimentos do antigo banqueiro Ricardo Salgado, um realizado no processo Monte Branco e outro na investigação ao colapso do Universo Espírito Santo.

José Sócrates foi detido em Novembro de 2014. Já passaram quase cinco anos. É acusado de 31 crimes: três de corrupção, três de fraude fiscal, 16 de branqueamento de capitais e nove de falsificação de documentos.

O juiz Ivo Rosa, juiz de instrução da Operação Marquês, decidiu marcar quatro dias para ouvir Sócrates a contar desta segunda-feira. Os factos em investigação tiveram lugar entre 2006 e 2015. Sócrates é acusado de ter beneficiado empresas do Grupo Lena, que em contrapartida lhe terão pago milhões de euros; de ser subornado no caso do empreendimento Vale do Lobo; de desviar dinheiro para contas offshore na Suíça; entre outras acusações. No total, Sócrates é acusado de ter recebido 34 milhões de euros de forma ilegal.

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