Asfixia metropolitana

A precariedade da rede urbana de transportes é mais do que evidente. Os atrasos constantes, os autocarros lotados e cada vez mais intermitentes, os comboios apodrecidos. Soluções para o problema? Não existem.

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Enric Vives-Rubio

O despertador toca e começa mais um dia. A pressa é uma constante e entre duas trincas no pão e um golo de café, saímos de casa atrasados (como sempre). Corremos para chegar a horas, como se todo o nosso dia, a nossa vida inteira, dependesse daquele autocarro ou daquele metro. Como se não existisse outro, uma questão diária de vida ou de morte.

Chegamos à plataforma e o amontoado de pessoas como nós — que estão cansadas, atrasadas, saturadas da vida numa cidade de betão — faz-nos suspirar. Pensamos como seria bom ganhar o Euromilhões, arranjar um emprego de sonho ao lado de casa, termos nascido num berço de ouro ou casar com um milionário. No fundo, pensamos no que teria de acontecer para não termos que estar naquela plataforma todas as manhãs.

Passam cinco minutos e o metro não vem. O número de pessoas começa a subir. A impaciência é mais do que muita. O relógio não pára e começamos a pensar que vamos chegar atrasados, tendo que ouvir as queixas do nosso chefe, do departamento de recursos humanos e dos colegas que, como nós, chegam atrasados.

Volvidos dez minutos, o metro chega. Entramos e ficamos como sardinhas bom petisco, em carruagens escuras, velhas, com um ambientador humano que nem sempre é o melhor. Olhamos ao nosso redor e as expressões não são alegres. O dia começa para todos nós como um sacrifício divino que nos assegura um lugar no céu. Mentalmente desejamos ter naquele momento uma metralhadora que elimine todas as pessoas que vão naquelas carruagens, para que possamos tê-la só para nós. Eliminar os encontrões, o pisar de pés constante, a má-criação de quem não deixa sair ou entrar ou o jorrar de café de quem acha por bem, em plena hora de ponta, ir com um belo café expresso na mão.

Andar de transportes públicos é coisa de países desenvolvidos. Não só deve ser obrigatória a existência de uma rede de transportes que melhore a mobilidade dentro das cidades, como é uma questão de ordem ambiental. Saúda-se, por isso, as medidas governamentais que incrementem a utilização de meios públicos de transporte, eliminando os engarrafamentos constantes, problemas de estacionamento ou a própria poluição sonora.

No entanto, incrementar a utilização de meios públicos de transporte sem os melhorar não é a solução que a maioria da população almeja. Reduzir preços sem aumentar a qualidade conduz-nos a uma rede metropolitana de transportes incapaz de responder ao aumento da procura (pelo menos, com uma qualidade mínima desejável).

Se o cidadão comum não consegue deslocar-se dentro da cidade através de uma rede de transportes urbanos, que não o faça chegar atrasado ao local de trabalho e sem que tenha que sair de casa duas horas mais cedo, como pretendem as autoridades locais incrementar a utilização do transporte público? A redução do preço dos transportes é um chamativo básico: se é mais barato, o cidadão comum aceita. Mas se é uma medida que no curto prazo tem efeito eleitoral, no longo prazo é catastrófica.

A precariedade da rede urbana de transportes é mais do que evidente. Os atrasos constantes, devido a avarias, os autocarros lotados e cada vez mais intermitentes, os comboios apodrecidos, que num país de pequena dimensão como o nosso demoram mais do que o transporte rodoviário. Soluções para o problema? Não existem (nos termos que agradem ideologicamente aos órgãos locais). Queremos ser desenvolvidos sem o ser, mas ao menos os turistas (aqueles que arrecadam toda a atenção dos órgãos decisórios) consideram estas falhas “very typical”.

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