Bannon na Europa

Os alicerces com que Bannon procura projetar o movimento global de extrema-direita são os mesmos com que conduziu Donald Trump à presidência e que já fazem doutrina em muitos países.

The Brink é um daqueles documentários essenciais para quem quer compreender a ascensão da extrema-direita no Partido Republicano dos Estados Unidos da América, mas também na Europa. O filme acompanha essa personagem sinistra que é Steve Bannon, estratega político que levou Donald Trump à presidência americana. Desde a queda na Casa Branca até ao seu ressurgimento público, Bannon é retratado como o grande orquestrador e cérebro da cimentação de extremistas em todo o mundo. Estão lá muitas das personagens europeias como Farage, Marine Le Pen e Viktor Orbán, o que também nos leva a perceber o quanto o mundo está interligado. Demasiadas vezes, muito mais do que pensamos.

Os alicerces com que Bannon procura projetar o movimento global de extrema-direita são os mesmos com que conduziu Donald Trump à presidência e que já fazem doutrina em muitos países. “There is no such thing as bad publicity. All publicity is good publicity.” Quanto mais escandaloso o punchline, melhor, porque isso dá tempo de antena, existe público para a mensagem e retira-o de qualquer outra menos escandalosa. A apologia da estupidez, portanto. A questão é que Steve Bannon tem pouco de estúpido e sabe bem a força dos eleitores que procura cativar por esse mundo fora, através dos peões manobráveis em cada país para o fazer.

Ao longo do filme, entre as Coca-colas e os Redbull’s que o pouco saudável sloppy Steve bebe, damo-nos conta de um homem obcecado com a projeção nos meios de comunicação social, as constantes conferências, mas também a pessoa culta, bem preparada, estratega, e que acredita na doutrina que defende. (Nem todos os que a cavalgam hoje acreditam.) O discurso de ódio e o apoio a alguns líderes conotados com o fascismo é várias vezes desvalorizado em tiradas irónicas nas entrevistas que dá aos jornalistas. E passa. Não existe nele a boçalidade, ignorância e a fanfarronice de um Trump e Farage, ou a antipatia pública de uma Le Pen. Tudo isso o torna mais perigoso. O seu passado como analista na Goldman Sachs leva-o a conhecer o sistema financeiro por dentro e também por isso remodela a doutrina com tanta eficácia. Esqueça-se o racismo e o ódio aos imigrantes, existe o modelo económico em que só se acredita no crescimento sustentado através de políticas ultra protecionistas e nacionalistas. Seguindo a linha daqueles que veem as cidades europeias como descaracterizadas na sua essência e sentem a precaridade laboral, o efeito para os novos “deploráveis” nacionalistas de cada país resulta.

(Entre homens de saias no parlamento nacional para alcançar a mesma publicidade a qualquer custo para os seus partidos, ridicularizando-se, a esquerda nacional, mas também a europeia, só fala para nichos, e deixou de o saber fazer para as camadas sociais mais baixas dos seus países. A extrema-direita está a saber ocupar cada vez mais esse espaço maior.)

O modelo económico da doutrina é raramente rebatido com eficácia pelo centro-direita ou centro-esquerda e Bannon enceta como poucos o discurso do desmantelamento das grandes corporações junto destes eleitores. Os temas geopolíticos que geram simpatia entre um eleitorado mais moderado como a relação comercial com a China também são aproveitados.

Se, em agosto, o casal Obama lançava-se na Netflix através de um documentário que retrata a vida numa fábrica adquirida por chineses na cidade do Ohio e em que critica alguma da desumanização da gestão asiática em comparação com a americana, recentemente Bannon, num outro produzido por si e sobre a empresa chinesa Huawei, desenvolve a ideia de um plano manobrado pelo regime chinês para dominar o mundo cibernético. Descartam-se vidas. Fora da Europa, e nomeadamente noutros governos da América do Sul, seja por interesse nacionalista e alicerçados na guerra comercial de Trump, tudo isto conta e a relação comercial de alguns destes países com a China já deixou de ser a mesma.

Os EUA geram influência. Ontem e hoje. Enquanto a União Europeia se mantém na mesma indefinição e sem qualquer plano de política comum em relação ao gigante asiático. Pelo contrário, agora que a Alemanha retirou o barramento no acesso da Huawei às suas redes de telecomunicações 5G. Agiu-se, assim, unilateralmente e sem consensos, promovendo uma vez mais o isolamento de cada país nas questões mais relevantes de política externa. Enfraquece-se.

Passo a passo, caminha-se para uma União Europeia em que a extrema-direita, sob a influência camuflada de Steve Bannon em vários países, até pode chamar para si alguma da agenda externa ignorada pelos governos mais moderados. Será expectável dentro de cinco anos que, também por isso, as tais políticas anti-imigrantes, de fronteiras fechadas e radical no retrocesso, vinguem com elas?

Para isso, basta que muitos dos atuais líderes dos 27 Estados-membros continuem a ignorar elefantes na sala. Que haja mais Merkel (s) e menos Macron. Mais unilateralismo em vez de multilateralismo nas políticas e ações, como na relação comercial com a China. Aí sim, o sloppy Steve agradecerá e a União Europeia, como a conhecemos, desaparecerá.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico    

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