A Guerra dos Mundos europeia: “Não são só aliens a atacar Tom Cruise em Hollywood”

O clássico de H.G. Wells é actualizado para 2019 com Gabriel Byrne, Elizabeth McGovern e Léa Drucker como protagonistas. A série que se estreia esta segunda-feira na Fox não quer ser um blockbuster de Hollywood — mas não consegue deixar de pensar neles.

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Gabriel Byrne e Elizabeth McGovern Fox
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O apocalipse não acontece só nos EUA e a fotografia da catástrofe não tem de ser a Estátua da Liberdade destruída ou a crosta terrestre a rachar Los Angeles. Essa é, em parte, a ideia da nova série A Guerra dos Mundos, uma co-produção Fox/Canal+ com um elenco e uma localização franco-britânica que mostra como o fim do mundo também chega aos Alpes ou à crise dos refugiados. Os actores Gabriel Byrne, Elizabeth McGovern e Léa Drucker actualizam e reposicionam a história de H.G. Wells – mas não conseguem deixar de falar de Tom Cruise.

A televisão e o cinema continuam cheios de narrativas pós-apocalípticas e até haverá uma outra série sobre A Guerra dos Mundos em breve, produzida pela BBC e situada no final do século XIX como o livro original. Depois dele vieram várias adaptações, sendo as mais famosas a da peça radiofónica de Orson Welles (1938) e a do blockbuster de Steven Spielberg com Tom Cruise (2005). Ambas são explorações sobre o poder da narrativa, mas também do medo. Agora que A Guerra dos Mundos já não é protegida por direitos de autor, chegou a vez de a ficção televisiva europeia tentar a sua sorte e de a colocar na actualidade.

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Léa Drucker e Abel Bencherif Fox/Canal Plus

Um elenco e uma equipa de várias nacionalidades, o financiamento partilhado e a estreia em canais por subscrição tornam os seus oito episódios num produto exemplar do que quer ser a nova economia audiovisual: falar várias línguas, implantar-se em vários mercados, apostar em títulos conhecidos. E a história? Uma família de classe média britânica, um casal de académicos divorciados, um refugiado, uma cientista e a sua irmã desavinda ou os militares e governantes são apanhados por um acontecimento de quase extinção. Londres, Paris, Alpes.

“Não são só aliens a atacar só Tom Cruise em Hollywood”, resume Elizabeth McGovern numa mesa redonda com jornalistas em Paris. “Estão a atacar o mundo, ou tanto do mundo quanto pudemos incluir de forma realista. O aspecto multicultural desta série dá-lhe uma ressonância mais profunda.”

Na mesma manhã de início de Outubro parisiense, Gabriel Byrne desperta para decretar: “Há uma espécie de paralisia cultural, no sentido em que a maior parte da cultura, televisão e cinema popular é americana. Embutida nessa cultura há ideias e valores morais, perspectivas do mundo. Sabemos o que filmes como Top Gun (1986) ou Black Hawk Down — Cercados (2001) estão a dizer. E o paradoxo da América, onde vivo, é que embora seja um país gigantesco, é um país muito insular”. Por isso mesmo, valoriza a “voz alternativa” que é a produção europeia.

A Guerra dos Mundos, que se estreia esta segunda-feira em Portugal na Fox, tem autoria e escrita do britânico Howard Overman (Misfits, Dirk Gently, Merlin) e um plano para três temporadas. O foco no drama humano perante uma situação limite não é novo, mas quer transcender o género. Como o PÚBLICO viu em Paris, o primeiro episódio assume contornos de um filme de acção, o segundo introduz os vilões: os extra-terrestres. São diferentes da referência visual dada pelo filme de Spielberg e das ilustrações do pintor brasileiro pré-modernista Henrique Alvim Corrêa da edição belga do clássico de Wells em 1906 – e que este ano a Sextante lançou em Portugal.  

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A edição da Sextante

“Não queríamos um mundo muito ‘conceptual’, nem demasiado avançado no futuro. Para as criaturas queríamos algo muito foto-realista, algo que fosse possível acontecer amanhã”, defende Johnny Caps, produtor executivo. Também na realização, o belga Gilles Coulier pôs os pés na terra. “Podíamos ter uma série com os detalhes gore e zombies, mas para mim este é um mundo em que toda a gente cai repentinamente, como se tivesse adormecido” e não cheia de jactos de sangue. “Refreei constantemente as equipas de cabelos, maquilhagem, figurinos, fotografia, duplos… se todos quiserem mostrar trabalho acabamos com uma produção hollywoodesca. Se estiver bem feito, não se deve ver esse trabalho”, diz o realizador dos primeiros três episódios.

Tornar plausível um mundo que fica sem comunicações e que deixa poucos sobreviventes é algo que o elenco considera essencial para justificar a nova série, e uma nova adaptação de uma história bem conhecida. “Em alguns países, parece que já é o fim do mundo”, diz Léa Drucker. “Hoje as pessoas estão preparadas para que aconteça algo”, corrobora Gabriel Byrne. “É um mundo em que o meu país está a construir muros e a recolher as pontes de ligação com outros países. É um mundo em que o país em que vivo, Inglaterra, está a recuar de uma aliança com a Europa”, diz McGovern. “Os extra-terrestres na história são metafóricos e muito pouco prováveis. A possibilidade de nos destruirmos através da guerra nuclear ou do desastre ambiental é muito mais real”, sugere Gabriel Byrne.

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Elizabeth McGovern Fox/Canal Plus

A Guerra dos Mundos, como outra ficção fantástica ou de terror, tende a funcionar como espelho dos medos de um dado momento histórico e “a ideia de H.G. Wells parece ter muita resiliência, porque está sempre a reencarnar”, nota Elizabeth McGovern. O criador da série elenca fantasmas passados: o colonialismo, a Guerra Fria, o 11 de Setembro. O actor Stephen Campbell Moore, membro da tal família inglesa, acrescenta “a complacência”.

É Léa Drucker que volta à actualidade — e à estrela de acção de referência sobre uma série que parece querer em parte definir-se pelo que não é. “Uma série como A Guerra dos Mundos é diferente da versão Spielberg, que é uma ficção-espectáculo, com óptimos efeitos especiais e um óptimo Tom Cruise - adoro o Tom Cruise. Tentámos foi aproximar-nos da realidade. Estamos a falar de alterações climáticas. Quem vai sobreviver? Vamos sobreviver a isto? Há algo que não é ficcional aqui…”

O PÚBLICO viajou a convite da Fox

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