Nave Nove aterra no Porto com o melhor da cozinha galega
Produto, técnica e cozinha de alto nível. Os mais destacados cozinheiros da Galiza montaram no Porto um restaurante efémero que é de visita obrigatória para gastrónomos e não só.
É um restaurante efémero, um conceito que funcionará apenas durante menos de um mês e que oferece gastronomia galega na sua versão mais actual e evoluída. Um menu de degustação concebido pelos nomes maiores da cozinha contemporânea da Galiza, uma equipa que inclui nada menos que oito galardoados com estrela Michelin. O “melhorinho do melhorinho”, como dizem os galegos.
O espaço é o do restaurante do Hotel Carrís Porto Ribeira – também um grupo galego –, ocupado agora pelos membros do grupo Nove, que agrega cozinheiros de vanguarda com o propósito declarado de difundir a cultura gastronómica da Galiza e dar visibilidade à sua cozinha.
Nomes como Pepe Solla, Javier Olleros, Yayo Daporta ou Pepe Viera, que atravessam a fronteira com os seus delicados e criativos pratos à base de produtos galegos. Do campo, da horta e do mar, como forma de dar expressão ao conceito de cozinha Atlântica de que são intérpretes privilegiados.
Com o Nave Nove – assim chamaram ao restaurante efémero – é a melhor e mais actual expressão da cozinha galega que aterra no Porto. A proposta é um menu de nove pratos (90€), sempre ao jantar, com a assinatura conjunta dos 22 cozinheiros que compõem na actualidade o grupo Nove. Um menu ancorado na tradição do território, que quer ser também um retrato de vanguarda e que vai rodar diariamente de forma a incorporar a diversidade de oferta e de produtos da rica despensa galega.
Para a abertura, num jantar de apresentação a meio da semana, alinharam os bivalves das rias atlânticas, lavagante, peixe azul, salmonete, vaca galega, cogumelos e queijos da região. Também o delicioso pão de Cea, de capa crocante, massa fofa e elástica, que é muito apreciado pela sua rusticidade.
Empratamentos elegantes a destacar o produto, técnicas culinárias de vanguarda e execução primorosa. A cozinha na sua vertente mais apelativa e emotiva, com o vistoso “salpicão de lavagante em cru”. Servido numa taça com gelo na própria carcaça, em troços cozinhados numa marinada ácida e aromática e ovas do próprio marisco.
Como entrada, impressionou também o apuro culinário e alarde de técnica no escabeche de anis que envolvia e destacava o sabor fresco e intenso do peixe azul marinado. Produto na sua essência no salmonete com caldeirada, nabiça e cebolinhas, tal como os bivalves servidos como aperitivo.
Lingueirão de envolvência salina com um creme de aroma fumado que indicava pimento assado, berbigões com uma espuma a fazer-nos mergulhar na bruma marinha, e vieiras de textura cremosa a massajar o palato. Para beber, servida numa tigelinha de grés, a essência do caldo galego, um consomé aromatizado com um vinho oxidado e que lhe potencia o sabor. Mesmo a não perder.
A par do salmonete, a pescada com cinza de alho compôs o duo de pratos de peixe. A nosso ver um dos destaques do jantar, embora sem consenso entre os comensais. Um prato disruptivo, daqueles que verdadeiramente provocam sensações e emoções.
Desde logo pela intensidade, marcada pelo jogo de sabores entre a alhada picante, molho verde, e o alho queimado a envolver-se na celebrada “merluza" como um estimulante polme de sabor rústico e aroma tostado. Um criativo e pouco convencional terra-mar com um peixe delicado travestido com aromas e sabores rústicos. E a pedir até a ousadia e um vinho tinto leve que lhe assentaria na perfeição.
Genial também o repolho com setas de Outono e castanha, um prato de sabores elaborados e igualmente surpreendente. Uma espécie de trouxa, com a folha de repolho a envolver um delicado e saboroso conjunto, as setas aveludadas em pedacinhos, creme de castanha e um estimulante torresmo com gordura crocante e estaladiça a dar surpreendente sabor e amplitude. Uma espécie de explosão, estimulante.
De fino recorte, harmonia e sabor também a vaca curada e pickles. Carnes em várias texturas, graus de humidade e intensidades de sabores. Cor vermelho vivo e o requinte final com carne seca raspada a polvilhar o conjunto e a definir a estética do prato. Belo e saboroso efeito.
Três tipos de queijos – azul, cremoso e outro mais texturado – compuseram a primeira sobremesa, uma banalidade rapidamente varrida pela excelência do biscoito de café, creme de castanha e gelado de maçã numa espécie de ninho coberto por deliciosas placas de merengue. Mesmo bom!
O menu tem associada uma proposta com cinco vinhos (30€), todos de origem galega, mas numa escolha que parece uns bons furos abaixo da proposta culinária. Salva-se o tinto, um Mencia da Ribeira Sacra, mas na Galiza há vinhos bem capazes de acompanhar a pujança e criatividade dos seus cozinheiros. E este menu merece nada menos que “o melhorinho”.
Enquanto dure, é de aproveitar esta dádiva dos chefs galegos ao Porto. Claramente obrigatória para gastrónomos e gourmands, mas também para todos aqueles que simplesmente apreciam os prazeres da mesa.