Microsoft derrota Amazon após ameaças de Trump

Empresa de Jeff Bezos perde concurso do JEDI, um projecto multimilionário da Defesa dos EUA. Microsoft é a que mais factura com o Estado em Portugal.

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A Amazon, de Jeff Bezos, era apontada como favorita, mas o homem mais rico do mundo perdeu este concurso e está perto de perder para Bill Gates o primeiro lugar na lista da Forbes Reuters/JOSHUA ROBERTS

O Pentágono entregou à Microsoft o multimilionário concurso para uma nova rede global de servidores do sistema de Defesa dos EUA, em detrimento da Amazon, que era a outra empresa finalista. A decisão, anunciada sexta-feira, vale um contrato até dez anos, no valor de 10 mil milhões de dólares (9000 milhões de euros), para modernizar uma infra-estrutura que, como se lê na decisão oficial, vai dar suporte operacional ao Departamento de Defesa, e que actualmente ainda assenta em sistemas das décadas de 80 e 90.

O homem mais rico do mundo, Jeff Bezos, não teve a melhor semana. Na quinta-feira, os resultados da Amazon ficaram aquém do esperado pelo mercado e Bezos, de 55 anos, viu a fortuna pessoal encolher três mil milhões de dólares em poucas horas. Não tenhamos pena dele – Bezos é dono de 57 milhões de acções da empresa que fundou (12% do capital) e que valem 110 mil milhões de dólares (99,1 mil milhões de euros ou quase metade do PIB português). Mas uma escorregadela na bolsa é uma escorregadela na bolsa e esta foi seguida de outro revés empresarial. 

A corrida à construção da rede de servidores (cloud, segundo o jargão tecnológico) para o Departamento de Defesa foi longa e escrutinada pela imprensa, pelo mercado e pela própria Casa Branca. "Isto não é apenas mais um projecto de IT. Isto faz toda a diferença. Portanto, seja quem for que ganhe [o concurso], aqui estou a desafiar-vos para nos darem o vosso melhor”, sublinhava em Março de 2018 um dos maiores responsáveis da Força Aérea dos EUA, quando o concurso foi apresentado a tecnológicas, durante um encontro no Sheraton de Pentagon City

Logo na altura, muitos dos interessados discordaram do desenho do concurso, que previa a entrega de toda a rede a uma só empresa. “Acreditamos que a melhor abordagem seria uma que aproveitasse as capacidades de inovação de múltiplos fornecedores”, declarou na altura a Microsoft. Agora, a empresa fundada por Bill Gates vai ficar com o bolo todo, depois de queixas na justiça contra a Amazon e de ameaças de intervenção por parte do Presidente Trump.

Uma vingança numa “batalha inevitável"?

O desfecho foi uma “surpresa porque a Amazon tinha sido considerada favorita, em parte porque já tinha construído a cloud dos [serviços secretos] CIA”, escreve o jornal The New York Times. Nesse sentido, a escolha da Microsoft até contraria até a lógica dos argumentos que foram apresentados pelo Pentágono em Março de 2018, quando disse que um fornecedor único seria melhor porque escolher mais do que um “aumentaria exponencialmente a complexidade” do sistema digital da Defesa.

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No entanto, há analistas na imprensa norte-americana que lançam abertamente a suspeita de que a vitória da Microsoft é uma vingança de Donald Trump contra a Amazon, cujo fundador é dono, em nome pessoal, do jornal Washington Post, que o actual Presidente dos EUA apelida um “inimigo do povo” e culpa de espalhar "fake news". Era uma "batalha inevitável" entre dois milionários, Bezos e Trump, travada à volta da cloud – um serviço cada vez mais relevante para a própria Amazon, já que 13% das receitas da empresa que nasceu como um retalhista online provêm da Amazon Web Services, a unidade de negócios que fornece os serviços cloud ao mercado e é líder mundial nessa área.

Aliás, há vozes que dizem que a vitória da Amazon era a única decisão lógica. Mas também há quem diga que essa era uma decisão arriscada, por concentrar a infra-estrutura dos serviços secretos e do sistema de defesa numa só empresa que, ainda para mais, dizia-se entre apoiantes de Trump, é liderada por um homem que, fora da esfera empresarial, sustenta um jornal considerado hostil pelos republicanos.

Nesta feroz corrida estavam a IBM, a Oracle, a Amazon e a Microsoft. A Google também demonstrou interesse neste contrato, cuja duração se pode estender por uma década, mas a administração desta empresa acabou por se afastar, após intensa pressão interna dos trabalhadores, com o argumento de que o negócio pode colidir com os valores da empresa.

Microsoft e Amazon foram os finalistas do concurso nos EUA, onde o fundador da primeira, Bill Gates, ficou agora mais perto de recuperar a posição de homem mais rico do mundo, depois da semana mais atribulada de Bezos, que destronou Gates da liderança em 2017.

Cloud com nome de estrela

A nova cloud da Defesa dos EUA foi baptizada com nome de estrela de cinema: JEDI (de Joint Enterprise Defense Infrastructure ). O prazo de entrega de propostas terminou em Outubro de 2018. A decisão sobre os dois finalistas foi tomada em Abril de 2019. Porém, um dos concorrentes reclamou da decisão com queixas à justiça e à Casa Branca contra um alegado favorecimento da Amazon.

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Pentágono, centro nevrálgico da Defesa dos EUA REUTERS/Jason Reed

Foi a Oracle, um dos concorrentes afastados na fase intermédia, quem recorreu à justiça e, além disso, ainda pagou uma intensa campanha de lóbi em Washington para desacreditar a candidatura da Amazon. Liderada por Safra Catz, uma apoiante de Trump que chegou a ser apontada para um cargo na Administração actual, a Oracle era o concorrente de menor peso no mercado mundial de serviços cloud. Mas foi o mais activo contestatário nesta corrida que, segundo um dos argumentos, estava viciada pela presença de um ex-funcionário da Amazon, Deap Uhbi, na equipa que estava a preparar o concurso do JEDI.

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Safra Catz, da Oracle, do lado direito, nesta fotografia de 2016, em que se vê Donald Trump, Peter Thiel (fundador da Pay Pal e administrador do Facebook) e Tim Cook, presidente da Apple. A imagem é de um encontro entre o Presidente e os líderes de tecnológicas, dois lados que nem sempre se têm dado bem REUTERS/Shannon Stapleton

Deap Uhbi saiu da Amazon e trabalhava no Pentágono quando certo dia publicou no Twitter esta mensagem: “Uma vez Amazoniano, para sempre Amazoniano.” Esse facto fiu usado pelos contestatários e teve eco junto de Trump, um Presidente habituado a gerir o seu posto através daquela mesma rede social. Em Julho de 2019, o Presidente admitiu intervir neste concurso, dando visibilidade às queixas da Oracle.

Trump não repetiu, neste processo, as críticas que tem feito à Amazon, que acusa de fugir aos impostos e de explorar o serviço postal dos EUA. Mas depois de ameaçar com uma intervenção, a decisão final, esperada em Agosto, foi novamente adiada, e os responsáveis do Departamento de Defesa incumbidos de investigar as alegações de favorecimento. Deap Uhbi, por seu lado, voltou a deixar o Pentágono e regressou à Amazon.

Ao fim de 12 meses de luta, ganhou a Microsoft que serve mais de 7000 entidades governamentais nos EUA com diversos serviços e produtos tecnológicos.

Microsoft lidera negócios com Estado português

Em Portugal, a Microsoft é de longe o fornecedor preferido do Estado. Desde 1 de Janeiro até 25 de Outubro, a empresa facturou 28 milhões de euros em contratos com a administração pública, segundo dados consultados pelo PÚBLICO no portal Base, que regista os contratos com entidades públicas. O maior deles, no valor de 12,85 milhões de euros, foi estabelecido pelo Ministério da Administração Interna, para a “subscrição anual de licenciamento Microsoft, ou equivalente, para toda a Administração Interna, de 2019 a 2021”.

Segue-se depois a Oracle, com contratos de 16,8 milhões e os principais clientes sendo os serviços partilhados do Ministério da saúde (5,8 milhões), a Autoridade Tributária (2,35 milhões) e a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (2,25 milhões). E em terceiro lugar vem a IBM, que facturou 15,4 milhões de euros, desde 1 de Janeiro até agora, com os três maiores contratos (11,4 milhões, 1,6 milhões e 630 mil euros) a envolverem a Autoridade Tributária.

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