Xilunguíne Maputo LM

A cidade dos dumbanengues, centros comerciais de pequena escala, mercados informais de outra escala e a infra-estrutura das senhoras da fruta, fritos e legumes, garante alimentação possível a milhares de bocas.

Quem é que é dono de esquinas? E de reentrâncias esconsas, ilhéus de passeio no meio do cimento, janelas de ruínas, árvores com boa sombra e braços? A cidade de Maputo traçada a régua e esquadro é um articulado de ruas e avenidas que não engana, vais na geometria e só necessitas de fazer contas, somar paralelas com perpendiculares, de uma boa tabuada da atenção, olhos imbuídos de faro orientado na perimetria própria, nem necessitas visão lateral. A cidade leva-te no traçado onde queres ir. É, desse ponto de vista, de uma clareza única, só mesmo um pouco das avenidas novas em Lisboa tem semelhança.

Entretanto a vida é outra e outra cidade surgiu de outras necessidades de vida, de sobrevivências e uma mistura de cidade precária do mercado informal formiga ao lado da outra de traçado cartesiano, aliás, instala-se nela como apropriação daqueles que nela nunca viveram e que nela não continuam a viver – as lojas ou são corpos ambulantes ou estadias de jorna diária. E é nesse mercado que os que nada têm gastam o pouco que lhes cabe, nela os preços são alimentares, podes comer uma sandes de badjias, um copo de coca-cola ou uma manica – cerveja - pequena e resolves.
Esse aparente contraste, ou essa aparente intrusão de um corpo no outro, é o curso da história, que segue a direito por linhas bem tortas – esteticamente surpreendentes, pelo contraste - e nelas instala, quando instala, algum tipo de justiça distributiva de iniciativa espontânea, orgânica, justiça aliás sempre por vir – o mercado informal, as suas extraordinárias invenções e marketingues, as formas chamativas da publicidade imediata e o génio de meter todos os Rossios em qualquer Betesga, constitui o sistema de artérias e veias do corpo de um povo valoroso que luta diariamente pela respiração, pela vida.
Onde é que encontro papaia daqui? – a da África do Sul vende-se nuns reboques instalados por todo os lados e pertence a um distribuidor central, imagino –, respondem-me: “nas senhoras”.
Tens ali uma senhora na esquina, depois da senhora da maçaroca tens a senhora da fruta, mangas e papaias, massalas. É verdade e não há melhor papaia. Na cidade, estes comércios de senhoras a solo, são os únicos em que encontras a boa fruta moçambicana, ainda longe de calibragens e falta de sabor industrial, aguada demais, rega científica.
A cidade dos dumbanengues, centros comerciais de pequena escala, mercados informais de outra escala e a infra-estrutura das senhoras da fruta, fritos e legumes, garante alimentação possível a milhares de bocas.
É nessa cartografia “excrescente”, desenhada a olho e dedo, medida a passo e pernas, que há mesmo quem seja dono de esquina por usocapião. As duas cidades tocam-se hoje como nunca, mesmo se, em boa verdade, conjugam fronteiras de um divórcio amigável e quem lá vive não é quem lá vai.

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