Não há coincidências (dizem o I Ching e um festival de cinema perto de si)

Com o seu documentário sobre James Benning, a argentina Sofía Brito acaba por propôr um bom resumo do lema do Doclisboa.

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Eis o I Ching, o “clássico dos clássicos” como o imperador Wu o definiu, o ancestral texto divinatório chinês que tem resposta para tudo. E o que é que o I Ching tem a ver com James Benning, o cineasta conhecido pelas suas paisagens em plano único, trabalhando na intersecção do cinema e das artes multimédia, que é uma das figuras mais reverenciadas do moderno cinema independente americano? A resposta está nas imagens de 中孚 61. The Inner Truth, o documentário que a actriz argentina Sofía Brito dedicou à sua colaboração com Benning, que conheceu num curso de cinema em Buenos Aires e com quem filmou Telemundo. Às tantas, Brito aplica a análise numérica do I Ching aos nomes de ambos, e somando os resultados atinge o número 61, um dos números centrais do I Ching, que significa “a verdade interior” –​ “o modo de ser que é especificamente nosso”, “a nossa natureza”.

O esoterismo oriental de Brito parece, no papel, nada ter a ver com o cinema plácido e brutalmente paisagista de Benning. Mas, às tantas, o americano diz “adorar encontrar correspondências entre coisas”: “Prestar atenção é muito importante; a nossa mente quer vaguear, mas é importante habituarmo-nos a prestar atenção, porque assim aprenderemos muito mais. É um modo de estarmos abertos ao mundo.” É o lema do Doclisboa, no fundo, que aqui se resume – estar aberto ao mundo e ao acaso. Sofía Brito abriu-se ao acaso de um encontro com James Benning e à possibilidade de filmar com ele. O Doc mostrou o filme que fizeram juntos, Telemundo, na secção Riscos, e colocou o documentário que Brito fez ao redor dessa rodagem na Competição Internacional.

Percebe-se porquê: 中孚 61. The Inner Truth é uma espécie de masterclass para o mundo em que vivemos, para a abertura ao mundo, ao real, independentemente da língua que se fale (ele não fala espanhol, ela mal fala inglês, o diálogo surge a outro nível). Fá-lo de maneira um pouco ingénua, até pontualmente desastrada, mas essa ingenuidade é também prova de vida, de uma vontade de fazer “outra coisa”, de estar atento às coincidências. O I Ching, no fundo, é uma maneira de encontrar correspondências. Caberá agora ao júri – a actriz Leonor Silveira, os cineastas Mania Akbari e Billy Woodberry, o técnico de restauro Carlos Almeida, o coreógrafo Jérôme Bel e o crítico Juliano Gomes – fazer as suas próprias ligações entre os 14 filmes apresentados a concurso, num palmarés que será divulgado ao fim da tarde de sábado. 

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