SNS entre a retórica e o colapso... vamos falar de reformas

Qualquer nova lei de bases não passa de um passo de dança no baile político, para desviar a atenção das duras realidades que se instalaram em 10 anos, bem como a impotência para as resolver.

“A vida é uma série de embates com o futuro”

Ortega y Gasset

O SNS é fruto de todos, em especial de uma continuidade de políticas que permitiram um financiamento prioritário. Mas na vida nada é estático e as organizações só perduram se se souberem modernizar e acompanhar os sinais dos tempos - tendo em atenção os fatores que as mantêm e as caraterísticas presentes e futuras do mundo que as cerca. Não se lucra nada com exercícios de retórica e com exorcizar ideologias de paternidade porque toda a Europa tem sistemas de saúde que são melhores ou tão bons como o nosso e sobrevivem aos movimentos políticos da democracia. O difícil é sobreviver com imobilismo.

A realidade nua e crua é que as nuvens do colapso se aproximam, sem que uma estrutura anafada, pesada e tomada por práticas saprófitas ou ideológicas, seja capaz de responder - para além da culpabilização do mercado e de outros inimigos externos.

Às dificuldades na acessibilidade e ao anormal absentismo, sintoma de mal-estar laboral, junta-se um subfinanciamento opaco e um consequente colapso financeiro e estrutural de muitos hospitais.

Portanto, qualquer nova lei de bases não passa de um passo de dança no baile político, para desviar a atenção das duras realidades que se instalaram em 10 anos, bem como a impotência para as resolver. Portanto, há que debater medidas práticas, reformistas e libertas do politicamente correto.

Eis algumas medidas prementes:

1. Reforçar o papel “garantia” e regulador do Estado - separar o prestador do pagador e consagrar modelos de financiamento misto público / privado.
2. Promover a descentralização e autonomia dos prestadores públicos hospitalares, como verdadeiras empresas, combatendo modelos monolíticos de gestão e organização de modo a serem capazes de aderir a regras de mercado regulado e concorrência.
3. Criar um Instituto Público de Financiamento da Saúde, com agências de contratualização regionais, que contratualizem com os prestadores públicos e privados a prestação de cuidados.
4. Liberdade de escolha do cidadão, como direito de cidadania, ligada a melhor informação e literacia em saúde.
5. Novas atitudes em saúde: investir em literacia em saúde, no viver saudável e no envelhecimento ativo, reforçando o papel das escolas e das associações da sociedade civil.
6. Novas estruturas, novos modelos de organização e gestão de novas doenças. Os hospitais públicos ou privados seriam equiparados em termos de acessibilidade e adotariam modelos concorrenciais. Em paralelo, favorecer-se-ia a formação de Unidades Locais de Saúde, tendo em atenção o envelhecimento e o surgir de múltiplas doenças crónicas.
7. Reforçar uma rede de cuidados continuados e paliativos. Salientar o papel do setor social; evitar a institucionalização dos doentes, apoiando cuidados de saúde domiciliários, apoio logístico, recurso à telemedicina e tele-monitorização e a introdução da robótica.
8. Nova política de recursos humanos (RH) em saúde. O recrutamento e gestão dos RH deve ser da competência de cada unidade prestadora, respeitando ratios, qualificações, segurança e as leis laborais. É imperiosa a formação permanente e a meritocracia com avaliações de desempenho claras. Com os médicos devem privilegiar-se relações de parceria onde se conjugue diferenciação, objetivos, autonomia técnica e remuneração. O exercício em exclusividade deve constituir um objetivo negociado, sendo que a própria concorrência entre prestadores o vai favorecer.
9. Novo papel do MS e outros órgãos públicos. O Ministério da Saúde (MS) deixaria de gerir as unidades públicas de prestação exceto as estruturas instrumentais de base do SNS. Definiria políticas gerais, traçaria linhas estratégicas e garantiria a sustentabilidade financeira do SNS. Neste contexto, seria necessário reforçar o papel da ERS, na segurança e boas práticas e na defesa dos interesses do cidadão no relacionamento com o sistema de Saúde.
10. Inovação e investigação. Acompanhar a introdução de novas moléculas terapêuticas e novos dispositivos bem como as implicações da genética, da engenharia de órgãos e transplantação e o papel da inteligência artificial. Possibilidade da conjugação da inovação com a robótica no suster da espiral de crescimento de gastos com a saúde.
11. Novas medidas para a sustentabilidade financeira do Sistema de Saúde. Atendendo à insuficiente capacidade financeira do SNS e às lacunas na cobertura de cuidados a nível da medicina preventiva, educação para a saúde e cuidados continuados, deve estudar-se a introdução de formas de financiamento complementar, de modo a atingir metas que confiram sustentabilidade a um sistema de saúde moderno e universal.          

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

         

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