E que tal um alçapão para o deputado do Chega?

Toda esta problemática sobre os lugares que entreteve (e continua a entreter) os nossos representantes poderia ser apenas uma anedota nos anais da vida democrática, se não revelasse uma óbvia combinação de soberba e falta de inteligência estratégica.

Entre elevadas e solenes preocupações sobre os problemas do país e do mundo, a conferência de líderes das várias bancadas de representantes da nação entreteve-se a discutir na semana passada uma questão decisiva para o futuro do regime: o acesso do deputado do Chega, André Ventura, ao lugar que lhe foi reservado, um modesto lugar na segunda fila da extrema-direita do hemiciclo. Uma vez que, para ocupar a sua cadeira, o deputado tem de incomodar alguns (poucos) dos seus pares do CDS, criou-se na conferência uma pequena tempestade de ideias para resolver tão ponderoso problema. Revelando um agudo sentido prático, o ecologista José Luís Ferreira avançou até com a possibilidade de se serrar o corrimão que protege a bancada para abrir uma nova porta e garantir a André Ventura uma passagem com a dignidade que o estatuto parlamentar merece e a tranquilidade dos deputados exige.

Toda esta problemática sobre os lugares que entreteve (e continua a entreter) os nossos representantes poderia ser apenas uma anedota nos anais da vida democrática, se não revelasse uma óbvia combinação de soberba e falta de inteligência estratégica. Soberba porque, ao revelar o incómodo sobre a passagem a André Ventura, ou ao pedir a André Ventura que se levante para que os centristas ocupem os seus lugares, a bancada do CDS mostra uma presunção muito pouco democrática – ainda que Telmo Correia se empenhe em dizer que em causa não está “uma questão política”, mas apenas “uma questão prática”. Falta de inteligência estratégica, porque esta birra só serve para que André Ventura se vitimize e encontre uma boa oportunidade para, ao seu estilo populista e demagógico, dizer que no Parlamento há quem queira criar uma subclasse de deputados.

Claro que, no final do dia, esta banalidade acabará esquecida. Ninguém irá serrar um corrimão para satisfazer egos ou institucionalizar preconceitos de alguns deputados. A “questão prática” do CDS é de tal modo irrelevante que morrerá como outros milhões de palavras ou ideias inúteis produzidas no Parlamento – até a justificação de que, com um deputado estranho entre a mão-cheia de deputados, o CDS deixará de ter privacidade. Fica, no entanto, o sinal de que a chegada de três novos eleitos de três novos partidos vai forçar novos hábitos, criar novos incómodos e gerar novas rotinas. Em vez de recusarem este novo normal com argumentos ridículos, será melhor que os deputados se preparem para os novos combates contra o que deputados como André Ventura dizem e pensam, em vez de gastarem tempo e energia em minudências como a de saber quem se levanta para dar lugar a quem no hemiciclo.  

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