Harvey Weinstein processado pelo seu “esforço diabólico e ilegal” para silenciar vítimas

Espionagem, difamação e agentes infiltrados: a actriz Rose McGowan acusa o produtor, os seus advogados e a empresa Black Cube de tentarem sabotar livro e as suas denúncias à imprensa que originaram o movimento MeToo.

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Rose McGowan numa cerimónia de prémios em Beverly Hills em 2013 MARIO ANZUONI/Reuters

Um dos rostos das primeiras denúncias contra Harvey Weinstein, a actriz Rose McGowan, processou o produtor por intimidação e difamação. McGowan acusa Weinstein, bem como os seus advogados e a empresa de espionagem Black Cube, de um “esforço diabólico e ilegal” para tentar evitar que viessem a público as acusações de agressão sexual que constam da sua biografia, Brave, e do seu testemunho ao New York Times e à revista New Yorker que desencadearam o movimento #MeToo.

McGowan tinha já verbalizado estas acusações, algumas das quais foram sendo relatadas pelos jornalistas das publicações acima referidas. Constam aliás de dois novos livros, editados no espaço de poucas semanas nos EUA, sobre os bastidores do caso Weinstein – Megan Twohey e Jodi Kantor, do New York Times, assinaram She Said e Ronan Farrow, da New Yorker, acaba de publicar Catch and KillSegundo o diário britânico Guardian, o processo envolve acusações de extorsão, violação das leis que regulam as escutas e invasão de privacidade. 

McGowan denuncia concretamente o facto de uma agente da Black Cube se ter aproximado dela para lhe roubar uma cópia do livro antes da sua publicação, detalha o New York Times, e as várias tentativas para impedir a publicação das investigações jornalísticas sobre Weinstein. Alega ainda que outro operacional da Black Cube, empresa contratada por Weinstein em 2016, fez-se passar por um jornalista que escrevia sobre os homens de Hollywood para lhe extrair informação. Rose McGowan tinha anunciado nas redes sociais que estava a trabalhar num livro um ano antes de as investigações serem publicadas, o que funcionou como ponto de partida para os jornalistas.

“Este caso é sobre o esforço diabólico e ilegal levado a cabo por um dos homens mais poderosos da América e pelos seus representantes para silenciar vítimas de agressão sexual. E é sobre as mulheres e os jornalistas corajosos que persistiram para revelar a verdade”, explica McGowan no próprio processo, que deu entrada na quarta-feira num tribunal federal de Los Angeles. Nele, a actriz repete a acusação que já está nos media desde 2017: em 1997, no Festival de Sundance, Weinstein tê-la-á violado.  Os dois terão depois chegado a um acordo ao abrigo do qual o produtor lhe terá entregue 100 mil dólares em troca do seu silêncio.

Além de Weinstein, também os advogados David Boles e Lisa Bloom, que trabalharam com o distribuidor e produtor, são visados no processo. O trio, dizem os advogados de Rose McGowan, terá levado a cabo uma “campanha de difamação para defraudar, caluniar e marginalizar” a actriz, assim que se soube que esta planeava escrever um livro de memórias e falar com os jornalistas.

Bloom é filha da conhecida advogada Gloria Allred, e tal como a mãe representou queixosas em vários casos mediáticos de assédio. Mas nos últimos anos o seu papel na promoção de acordos que silenciam as alegadas vítimas e não deixam chegar estes casos a tribunal começou a ser visto a uma nova luz. Nos meses pré-MeToo, encarregava-se da defesa de Weinstein, propondo-se a usar a sua experiência para desacreditar as acusadoras. Posteriormente, deixou de o representar e disse que tal fora um erro. Já Boies disse publicamente que deveria ter prestado mais atenção à forma como Weinstein usava a Black Cube – Ronan Farrow tem uma série de trabalhos dedicados exclusivamente àquela empresa de espionagem.

A actual advogada de Weinstein, Phyllis Kupferstein, enviou entretanto um comunicado à revista Hollywood Reporter em que promete que “Rose McGowan será exposta de uma vez por todas como alguém que procura atenção e dinheiro”. No processo, McGowan diz que Weinstein lhe ofereceu um milhão de dólares para não publicar o livro e manter o silêncio. Segundo Kupferstein e documentos a que a Hollywood Reporter teve acesso, a actriz pediu seis milhões de dólares para chegar a acordo neste caso.

“A partir do momento em que ela procurou um pagamento de vários milhões de dólares a troco de não fazer estas acusações sem fundamento, o que nós rejeitámos, sabíamos que ela estava à espera de uma altura oportuna para começar com isto”, diz a mesma nota, também publicada pelo New York Times.

Em causa estão os acordos de não-divulgação que perfazem um dos aspectos mais complexos da forma como as acusações de assédio sexual tendem a ser tratadas legalmente em vários países: a resolução à margem dos tribunais a troco do silêncio dos queixosos e a sua respectiva compensação financeira sem que haja esclarecimento de responsabilidades. O caso Roger Ailes, na Fox News, o de Bill Cosby e, agora, o de Weinstein são alguns dos exemplos mais mediáticos dos efeitos destes acordos. She Said recorda justamente como Gloria Allred sugeria que os acordos são a melhor opção, dada a dificuldade de provar estes casos e o potencial de vergonha pública para as alegadas vítimas. Weinstein e Phyllis Kupferstein usam agora esse expediente para descredibilizar as queixosas.

Rose McGowan alega que as vendas do seu livro, que acabou por ser publicado em 2018, foram afectadas pela alegada campanha de Weinstein, e que as suas oportunidades de trabalho “desapareceram”.

O novo processo surge em paralelo com os casos que correm nos tribunais de Nova Iorque em que Weinstein, que se declarou inocente de qualquer interacção sexual não consensual, enfrenta cinco acusações de violação, agressão sexual e acto sexual de relevo (forçar sexo oral com uma das alegadas vítimas). O julgamento tem sido adiado por questões processuais e deverá ter lugar em 2020.

Dezenas de mulheres, famosas e anónimas, acusaram Harvey Weinstein de assédio sexual, agressão, violação e ameaça de represálias nas primeiras investigações sobre o produtor e distribuidor, que acabariam por gerar uma vaga de denúncias e um alargado debate público sobre consentimento, assédio no local de trabalho, credibilidade das vítimas e reputação.

Em Maio, Weinstein chegou a acordo num outro processo colectivo em que várias alegadas vítimas do produtor, credores e antigos trabalhadores da Weinstein Company (produtora e distribuidora) aceitaram receber um total de 40 milhões de euros – desses, 12,5 milhões de euros serviram para custear as despesas judiciais de responsáveis da produtora acusados de encobrir os alegados crimes de Weinstein – para pôr fim aos seus litígios.

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