Chegou, viu, venceu e partiu. Marieke Vervoort, campeã paralímpica, decidiu morrer nos seus próprios termos

Atleta belga sofria de tetraplegia progressiva e em 2008 assinou os papéis para um dia recorrer à eutanásia. Saber que poderia colocar um ponto final quando as dores se tornassem insuportáveis dava-lhe “paz”. Decidiu morrer esta terça-feira.

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Reuters/Jason Cairnduff

Quando Marieke Vervoort cruzou a linha de meta dos Paralímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, a conquista medalha de prata foi agridoce. Acreditava-se que a atleta belga — que em 2008 tinha assinado os papéis necessários para um dia se submeter a um processo de eutanásia — iria tomar a decisão de morrer logo após a prova. Uma hipótese que a própria desmentiu na altura. Marieke colocaria fim à sua vida, sim, mas apenas quando chegasse o momento certo. Esse dia chegou na terça-feira, com a notícia da sua morte a ser confirmada pela autarquia da cidade de cidade belga de Diest.

“As pessoas vêem-me a sorrir, a rir, a Marieke simpática, com bons resultados desportivos. Mas não vêem quando estou com dores, porque fico sempre em casa quando é esse o caso. Conhecem algum atleta que tenha atingido o topo com injecções de morfina e Valium? Em 2008 pensei matar-me porque tinha imensas dores e não podia praticar desporto”. O desabafo de Marieke, recuperado no dia da sua morte pelo diário espanhol El País, mostra a frontalidade com que a belga falava sobre a sua doença.

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Atleta venceu duas medalhas nos Paralímpicos do Rio de Janeiro Jason Cairnduff / REUTERS

Quando tinha 14 anos visitou um médico por pensar que tinha contraído uma infecção no pé. Foi diagnosticada com tetraplegia progressiva. Aos poucos, foi perdendo mobilidade e, ao mesmo tempo, teve de suportar dores cada vez mais intensas. Apesar das crescentes dificuldades, Marieke praticou várias modalidades desportivas, destacando-se sobretudo em corridas em cadeira de rodas.

Em 2012, nos Paralímpicos de Londres, venceu a medalha de prata na corrida dos 200 metros, na categoria T52. Ainda na mesma categoria, venceu o ouro na prova dos 100 metros. No Rio de Janeiro, quatro anos depois, conquistou a prata na corrida dos 400 metros da categoria T51/52 e o bronze nos 100 metros.

O facto de saber que, a partir de 2008, poderia colocar um ponto final à sua vida, se tal o desejasse, trouxe-lhe algum conforto. “Não vejo [a eutanásia] como homicídio. Para mim, dá-me paz. Saber que quando for demasiado difícil, quando tiver demasiada dor, não tenho de viver como uma planta. Tenho os papéis na minha mão e posso dizer: ‘Agora é suficiente, quero morrer’”.

Para além da doença muscular degenerativa, Marieke Vervoort também sofria crises epilépticas. Em 2014, durante um ataque, deixou cair uma panela com água a ferver sobre as próprias pernas. Ficou quatro meses no hospital a recuperar de queimaduras graves.

Nos dias de maior sofrimento, a belga não conseguia alimentar-se. Os Invernos rigorosos belgas não ajudavam, e a medalhada olímpica treinava em Lanzarote, nas Canárias, onde o clima é mais quente. Depois da prova no Rio de Janeiro, esboçou uma lista de coisas que desejava fazer antes de morrer: andar de F16, saltar de pára-quedas, abrir um museu e participar numa corrida de carros eram alguns dos últimos desejos da belga.

A morte da atleta paralímpica motivou várias reacções nas redes sociais: a maioria a elogiar a coragem e sinceridade de Marieke Vervoort em falar abertamente sobre a sua doença.

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