Usar o terror para narrar a infâmia dos campos de concentração

The Terror, a série de antologia da AMC, está de volta para uma segunda temporada de terror histórico que olha para as 120 mil pessoas de origem japonesa que foram obrigadas a sair das suas casas e a viver em campos de concentração após o ataque a Pearl Harbor.

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The Terror: Infamy olha para o momento em que centenas de milhar de pessoas de origem japonesa foram forçadas a viver em campos de concentração nos Estados Unidos nos anos 1940 DR

Pouco depois do ataque a Pearl Harbor, Franklin D. Roosevelt ordenou que à volta de 120 mil pessoas de origem japonesa, mais de metade delas cidadãs dos Estados Unidos, fossem forçadas a sair das suas casas e a viver em campos de concentração. Tal detenção durou de 1942 a 1948. Em 1988, o governo do país acabaria por pagar reparações a mais de 80 mil sobreviventes e famílias, pedindo desculpa pelo sucedido.

The Terror: Infamy, o nome da segunda temporada da série de terror de antologia da AMC, olha para esses tempos. A estreia ocorre esta quarta, em exclusivo no MEO Videoclube, com os dez episódios a poderem ser alugados por um prazo de 30 dias, transitando no próximo ano para o resto das operadoras. É uma série de antologia, em que tudo muda de época para época, seja a equipa criativa, as histórias ou os actores. Os parâmetros das temporadas não são muito distintos. São thrillers históricos contados sob a forma do terror, sobre um grupo de pessoas num sítio onde não são desejadas e onde o terror natural é tão assustador quanto o sobrenatural”, conta Alexander Woo, co-criador, com Max Borenstein, desta época da série, ao telefone com o PÚBLICO. De resto, “a forma como a história é contada, a própria história, o estilo e o tom” são completamente diferentes, garante.

Tal como a recém-estreada The Watchmen, da HBO, começa com o massacre de Tulsa, em 1921, The Terror olha para um momento pouco falado da História americana que é relevante para os dias de hoje. “Faz parte da História, mas não é ensinada nas escolas, só talvez na Califórnia ou no Havai. Eu próprio estava no fim da adolescência quando descobri. Não encaixa na narrativa da América como um local com braços abertos”, comenta Woo. “É uma história que se repete: pessoas que vieram para este país, abraçaram-no e não foram abraçadas de volta”, completa.

A vantagem do terror, segundo o criador, é que permite ao espectador uma maior identificação: “Há um risco, numa peça histórica, de o espectador se sentir seguro por ser algo que aconteceu há muito tempo. O terror ajuda a tornar a experiência mais imediata, a perceber aquilo por que as personagens estavam a passar.” E aqui isso é importante, já que campos de concentração em plenos Estados Unidos e olhar para alguém que é de uma etnia ou origem diferente com desconfiança continuam a ser temas actuais.

Ao longo dos anos, George Takei, o Sulu da série original de Star Trek e um dos sobreviventes destes campos, tem chamado a atenção para este caso. Em 2012 foi protagonista de Allegiance, um musical sobre o assunto inspirado nas suas próprias memórias. Takei faz parte do elenco de Infamy e foi também consultor da série. "Ele trouxe-nos muito, é um homem maravilhoso e o seu talento como actor trouxe esta comunidade à vida. É um óptimo recurso, também, porque passou pela experiência, falou com milhares de pessoas e há pouca gente que saiba tanto quanto ele”, partilha Woo, cuja família é de origem chinesa. Segundo o criador, muitos membros da equipa também tinham familiares nestes campos, algo propositado. “Era uma responsabilidade que sentíamos, é a primeira vez que esta história é contada com esta dimensão, ao longo de dez horas”, confessa.

Antes disto, Woo, que era originalmente dramaturgo, tinha alguma experiência no mundo do terror ou da fantasia e da história, tendo em conta que era argumentista de True Blood, a série de vampiros, ou Wonderfalls, em que um homem falava com estatuetas de animais. Ao mesmo tempo, foi ele quem desenvolveu o guião de The Immortal Life of Henrietta Lacks, um telefilme de George C. Wolfe com Oprah Winfrey sobre a mulher cujas células, sem autorização, foram cultivadas ao longo de mais de 60 décadas para investigação científica.

Tendo em conta essa responsabilidade, era preciso conciliar o drama histórico e a vontade de falar deste tempo com a parte de terror. Não foi complicado, alega o responsável. “Foi natural. Só temos elementos de terror quando ajuda a sentir e perceber as emoções das personagens, nunca é terror pelo terror nem porque parece fixe”, resume.

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