Aterro sanitário do sotavento algarvio está ilegal há mais de dois anos

A empresa que trata os resíduos sólidos urbanos está a proceder a um estudo de “incidências ambientais” para recuperar o alvará que perdeu. O equipamento foi construído na bacia hidrográfica do Guadiana.

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adriano miranda

A licença para a utilização do aterro sanitário do sotavento, na serra algarvia, caducou há mais de dois anos. A empresa responsável pelo tratamento dos resíduos sólidos – Algar - vive numa situação de impasse: “Onde querem que depositemos o lixo?”, pergunta o administrador José Barreto, esperando por uma resposta da parte da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), a entidade que tem o processo em mãos. O incumprimento da legislação traduziu-se na aplicação de uma coima por parte da Inspecção-geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), foi contestada e nunca teve efeito prático.

Esta infra-estrutura de Cortelha/Barranco do Velho que recebe os resíduos de metade do Algarve (o outro equipamento similar está instalado em Porto de Lagos - Portimão) está prestes a atingir o limite da capacidade. O aterro, inaugurado em 1998, sobre a bacia hidrográfica do rio Guadiana, em zona classificada de Reserva Ecológica Nacional (REN), tem sido objecto de várias contestações por parte das populações locais e associações ambientalistas. Maus cheiros e contaminação das linhas de água são as principais queixas. Porém, à luz das normas ambientais em vigor na altura em que foi projectado – há duas dezenas de anos - não teve problemas em obter alvará de licenciamento.

Mas quando estava quase a esgotar a capacidade de armazenamento, em 2017, a empresa pretendeu construir mais uma célula, a juntar às duas existentes, e confrontou-se com uma realidade que não esperava: “A licença, agora, terá que ser para toda a infra-estrutura”, esclarece o administrador, adiantando que está a ser desenvolvido um estudo “incidências ambientais” para avaliar o impacto da intervenção em 50 hectares da serra do Caldeirão que vão ser ocupados com o aterro, implicando o abate de muitas centenas de sobreiros.

Nos últimos dois invernos, os lixiviados (líquido com grande carga poluente proveniente da biodegradação dos resíduos depositados) escorreram para a ribeira do Vascão. O acidente deu-se após o rompimento de uma célula e a avaria numa das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR). O alegado crime ambiental deu origem a um auto levantado pelo Sepna - Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente (Proc. 3/2017) mas as testemunhas, indicadas pela junta de freguesia de Salir, ainda nem sequer foram ouvidas pelo Ministério Público. Com mais um período de chuvas a aproximar-se, renovam-se as preocupações. A empresa, numa reunião da Comissão de Acompanhamento – que integra representantes do poder local, Agência Portuguesa do Ambiente e CCDR - que decorreu na semana passada anunciou que terá mais ETAR a funcionar dentro de uma semana e que construiu uma nova lagoa de retenção das águas.

Entretanto, na câmara de Loulé continua pendente um pedido da Algar para que declare este equipamento de “utilidade pública municipal” - condição que a CCDR/Algarve considera necessária para a emissão de alvará. “Estamos, neste momento, sem licença”, admite José Barreto.

Mas a Assembleia Municipal de Loulé, em Junho de 2017, recusou apreciar o pedido de “interesse público municipal” do aterro para efeitos de emissão de alvará. Os deputados argumentaram que se tratava de um equipamento supramunicipal, que não representava qualquer mais-valia para o concelho. Pelo contrário, o que se tem verificado são queixas das populações do interior, directamente atingidas pela poluição. O presidente deste órgão, Adriano Pimpão, adiantou ao PÚBLICO que o assunto vai voltar a ser debatido esta semana: “Tenciono incluir na agenda dos trabalhos da próxima reunião da Assembleia Municipal [dia 25], onde se vai discutir o “estado do município”.

Neste meio tempo, o município contratou os serviços do Instituto da Soldadura e Qualidade (ISQ) para ter uma monitorização, independente, sobre o modo de funcionamento deste equipamento. 

As câmaras algarvias, desde 2015 - altura em que a Algar foi vendida ao grupo Mota-Engil - passaram a exigir mais eficácia no serviço público que é prestado. A escassez de mão-de-obra tem sido uma das explicações dadas aos autarcas para justificar algumas das falhas em relação ao caderno de encargos. Durante este ano foram contratados 227 trabalhadores, mas 133 abandonaram o serviço atraídos por outras ofertas de emprego. No âmbito da Comunidade Intermunicipal do Algarve - Amal, por mais de uma vez, os autarcas equacionaram a hipótese de assumir a maioria do capital da empresa, detida em 56% pela EGF/Mota-Engil. As restantes acções (44%) pertencem às autarquias

Prejuízos de 2 milhões

De acordo com o relatório e contas, a Algar registou em 2017 um lucro de 716 mil euros. No ano seguinte, os ganhos caíram para 482 mil euros. Este ano os resultados vão ser negativos. O administrador Nuno Amorim, (indicado pelo accionista câmaras) esclarece que se “prevê um prejuízo de dois milhões de euros”. Uma das razões para a derrapagem, adianta José Barreto (grupo Mota-Engil), está relacionado com os custos do transporte. “Fazemos dois milhões de quilómetros por ano a transportar lixo - com as variações do preço do gasóleo imagine-se o que isso representa”. Por outro lado, sublinha, a Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) obrigou a reduzir o preço das tarifas. Os municípios pagavam há dois anos 34,72 euros/tonelada, actualmente está a ser cobrado 30,75 euros/tonelada. A Algar contestou, pela via judicial, a directiva do regulador alegando que, com estes valores, não poderia garantir a sustentabilidade da empresa. A acção contra a ERSAR deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé no início do ano. As câmaras foram convidadas a subscrever a queixa mas não alinharam.

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