Siza Vieira: “Desenvolvimento apoiado no turismo não é um programa sólido. Oxalá não dure muito tempo”

O direito à habitação, o “excesso de turismo”, a qualidade de vida nas cidades. Breve conversa com um dos nomes maiores da arquitectura mundial a propósito do seu projecto para uma ilha no Monte da Lapa, no Porto.

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Arquitecto defende que "equilíbrio" entre habitação e turismo exige medidas de restrição Adriano Miranda

O Porto precisa de encontrar o “ponto de equilíbrio” entre habitação e turismo e, para isso, “tem de haver restrições” na construção de hotéis, alojamentos locais e outros espaços dedicados ao sector. As palavras são do arquitecto Álvaro Siza Vieira, para quem são importantes medidas que respondam à actual tendência do mercado: “O que está a acontecer em relação ao turismo é a compra de prédios por parte de privados, sobretudo no centro histórico, e a adaptação para alojamento turístico.”

A essa realidade, a ganhar lastro não só em Portugal mas “por toda a Europa do Sul”, o prémio Pritzker tem visto algumas cidades, como Barcelona, dar uma resposta musculada. Prova de que “o caminho” não pode ser um mercado sem regras: “De momento vemos casas, hotéis, casas, hotéis. Mas não creio - não só por pressão local, mas também pela criação de grandes inconvenientes para a vida da cidade - que possa continuar assim”, aponta em conversa com o PÚBLICO a propósito do seu projecto para uma ilha no Monte da Lapa, no Porto.

O assunto começa, “lentamente, a motivar preocupação”, mas já ganhou contornos de “problema político”, aponta Siza Vieira. “Passou a ser um inconveniente para as cidades. Não só para o direito à habitação, mas para a própria vida das cidades”, defende.

A opinião tem base não só em estudos e notícias publicadas, mas numa observação directa. “Há uma ânsia de promoção de eventos e eventos e eventos. Quem vai ao centro da cidade sente que há algo que não está bem. A vida não são eventos”, sublinha. Sem hesitações, o arquitecto defende que “há excesso de turismo na cidade” do Porto, o que acarreta “incómodos reais” para quem lá habita ou passeia: “Da última vez que estive no centro havia, por exemplo, uma fila enorme de trotinetas. Torna-se incómodo.”

O desenvolvimento económico da urbe pode ter no turismo um ponto de apoio, diz, mas como força motriz é uma aposta pouco segura: “O desenvolvimento apoiado turismo não é um programa sólido, está dependente de muitos factores geográficos e políticos”, afirma. “Não vejo que isto vá durar muito tempo. E oxalá não dure muito tempo.”

Mas como se pode, então, conseguir alguma harmonia entre turismo, habitação e qualidade de vida na cidade? “O ponto de equilíbrio é o próprio equilíbrio”, simplifica Álvaro Siza Vieira, que há dias recebeu o Grande Prémio de Arquitectura da Academia de Belas-Artes francesa. “Tem de haver restrições”, afirma: “Quando passa a reconhecer-se claramente e com veemência que provoca de incómodo, baixa a qualidade de vida, etc., surgem as reacções a isso e tem de haver medidas para diminuir esse impacto.”

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