Habemus Brexit ou Boris Johnson é Theresa May?

O arrastar da situação e o eventual regresso à estaca zero das negociações não vão trazer à União Europeia o brilho que teve em vários momentos do passado.

1. Mais uma vez podemos estar à beira de um frenético desenlace final no Brexit, ou voltar à estaca zero do processo de saída britânica da União Europeia. Nesta altura, o que é mais nítido são as grandes dificuldades internas que Boris Johnson terá para aprovar o Acordo de 17/10 no Parlamento. Na realidade, este é sobretudo um novo protocolo ao acordo anteriormente negociado por Theresa May relativo à Irlanda do Norte, múltiplas vezes rejeitado pelos deputados. Se o conseguir aprovar, irá convencer-se, ainda mais, da solidez da sua (auto)imagem como um novo Winston Churchill. Será bem-sucedido numa missão que, até agora, se tinha mostrado impossível de concretizar: tirar o Reino Unido da União Europeia. Mas Boris Jonhson arrisca-se a outro resultado, replicando os sucessivos fracassos de Theresa May, com o opróbrio que daí resultará para si. O risco é bem real pois, no actual Parlamento, não há uma maioria clara para nenhuma opção de saída, sendo também verdade o contrário. A consequência, até agora, tem sido sempre o bloqueio e o impasse político.

2. Para ter sucesso na sua estratégia política Boris Jonhson precisará do apoio da generalidade do seu Partido Conservador, incluindo daqueles que foram expulsos por si ou se afastaram voluntariamente, bem como da ala mais eurocéptica que sempre boicotou Theresa May.  Precisará também, no todo ou em parte, dos deputados do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (DUP) — os quais, por sua vez, se afastaram agora do seu Acordo de 17/10 — e de alguns deputados trabalhistas Brexiteers. Mas o resultado final depende também das possíveis abstenções, especialmente entre os membros do grupo parlamentar do Partido Trabalhista, as quais poderão facilitar a aprovação do mesmo, ainda que não consiga todos os apoios políticos anteriormente mencionados. A inevitabilidade de uma nova eleição legislativa nos próximos tempos — bem como o impacto que o voto, contra ou a favor do Acordo, terá nessa futura eleição —, pesará muito nos cálculos políticos dos deputados indecisos ou com intenções de se realinharem mais à frente. Poderá favorecer Boris Johnson, ou arruinar a sua estratégia.

3. Há ainda um aspecto crucial do Acordo de 17/10 onde quem tem os trunfos decisivos não são os britânicos, mas a União Europeia. Na realidade, o resultado da votação no Parlamento Britânico será sempre condicionado por um outro dilema fundamental: o que irá fazer a União Europeia caso o Acordo de 17/10 não seja aprovado? O Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, nas suas declarações públicas, sugeriu que, desta vez, estava a porta fechada a um novo hipotético pedido de adiamento. Mas importa ter em mente que, na União Europeia, a decisão cabe aos Estados-Membros no Conselho Europeu, não à Comissão. E Donald Tusk, o Presidente do Conselho Europeu, não afastou explicitamente a possibilidade de um novo adiamento do prazo, resguardando-se numa prudente ambiguidade. Todavia, a importância crucial da questão explica a atitude de Boris Jonhson e dos seus apoiantes, neste período crítico antes da votação. Procuram criar na opinião pública britânica e nos deputados ainda indecisos a convicção da impossibilidade de um novo pedido de adiamento ser aceite pela União Europeia. Aparentemente, essa ideia tem alguma sustentação nas posições que o presidente francês, Emmanuel Macron, assumiu no Conselho Europeu de 17/10, mas a chanceler alemã,  Angela Merkel, terá considerado “inevitável uma extensão” se o Acordo não for aprovado.  (ver “Brexit extension unavoidable if MPs reject deal, says Merkel” in Guardian, 18/10/2019.

4. Se o Acordo de 17/10 for rejeitado no Parlamento Britânico, a questão é antecipar o que irá acontecer em seguida. Para além do que Boris Johnson possa fazer — por exemplo, recusar-se a apresentar novo pedido de adiamento com as consequências políticas e judiciais que daí poderão resultar —, o assunto voltará a passar para o lado da União Europeia, se aí chegar um pedido formal de adiamento do prazo. Como irá esta reagir? Haverá ou não consenso entre os Estados-Membros para um novo adiamento, e, se houver, até quando será? Claro que a posição da Alemanha e da França, pelo seu peso político e institucional, serão fundamentais no rumo dos acontecimentos. Aqui uma coisa é líquida: se a União recusar um novo adiamento não haverá tempo para mais negociações, ou para a realização de um referendo para aprovação do Acordo, mesmo que seja essa a vontade do Parlamento Britânico. Mas, na prática, será vista como a decisão que empurrou o Reino Unido para fora, o que é mau para a imagem da União e, sobretudo, do(s) Estado(s) que vetarem um pedido de adiamento — esse é o grande problema de Emmanuel Macron  e de outros que o queiram fazer. Só deixaria duas opções aos parlamentares britânicos:  uma seria (re)equacionarem a questão e aprovarem o Acordo de 17/10, ainda que a contra-gosto; a outra seria saírem sem qualquer acordo a 31 de Outubro. Teoricamente, há ainda uma terceira hipótese que seria a revogação unilateral da intenção de saída da União Europeia, o que juridicamente é possível e muitos aplaudiriam. Todavia, não é crível ser politicamente exequível sem um referendo prévio.

5. Habemus Brexit a 31 de Outubro? Com esta persistente incerteza ainda não sabemos. O que é mais claro é que o prolongamento das negociações começa a ter efeitos negativos também sobre a União Europeia. Esta perde, desde logo, com o desgaste político provocado pelas negociações, o qual desvia a atenção de assuntos deviam ser mais importantes. O arrastar da situação e o eventual regresso à estaca zero das negociações não vão trazer à União Europeia o brilho que teve em vários momentos do passado. Nem lhe trazem um impulso automático para um novo fôlego de integração. Além disso, o mundo exterior não para de colocar problemas sérios que precisam de uma resposta europeia. A guerra comercial EUA-China que se projecta na União Europeia, ou a invasão militar da Turquia da região curda do Nordeste da Síria, não deixam dúvidas quanto a isso. É certo que o eventual sucesso de Boris Johnson será motivo de triunfalismo para si e os seus seguidores. Tal como o seu fracasso irá gerar satisfação e muitos comentários irónicos: queria ser Winston Churchill e afinal é Theresa May. Mas este é um fraco contentamento para os europeus. Não os livra de um interminável “Brexit”, nem resolve nenhum dos seus problemas mais agudos.

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