Elton John transformou o Watford num foguetão

Com o cantor britânico na presidência, os “hornets” foram da quarta divisão inglesa ao segundo lugar da primeira em seis épocas.

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Elton John e o Watford, uma paixão para a vida DR

A paixão começa com um momento e depois já não larga. Não interessa que jogue na primeira ou na terceira divisão, ganha quem aparece primeiro. Foi assim que aconteceu com Elton John. “Tinha seis ou sete anos, fui com o meu pai ver um jogo do Watford e adorei a experiência. Pronto, foi isto. Já não consegues mudar. Fica-te no sangue e nos ossos, mesmo que eles sejam uma merda.” Se agora o Watford é uma equipa que se mantém estável na Premier League, durante a infância de Elton John, nos anos 1950, oscilava entre a terceira e a quarta divisão. Foi por paixão e por gratidão que Elton John, quando passou a ter algum dinheiro no bolso (leia-se, ficou milionário pelo seu sucesso na música), investiu sem pensar em lucro para fazer crescer o único clube que amou. E, em seis anos, o Watford subiu da quarta divisão, até ao vice-campeonato da primeira. Como um foguetão.

Está bem documentada a relação de Elton John com o Watford, clube do qual foi presidente em exercício em duas ocasiões, do qual ainda é presidente honorário e cujo estádio tem uma das bancadas com o seu nome. Menos evidente era a profundidade dessa relação, talvez interpretada, à vista desarmada, como um capricho de um adepto que cumpriu o seu sonho de ser presidente e levar o sucesso ao clube do seu bairro. Segundo a mais recente autobiografia “Me”, publicada esta semana, Elton John diz que foi muito mais que isso. Para o cantor britânico, o Watford foi a relação mais estável que teve no período mais negro da sua vida.

“Fui presidente no pior período da minha vida: relações falhadas, maus negócios, casos em tribunal, um turbilhão permanente. No meio disto tudo, o Watford foi uma fonte constante de felicidade para mim. Por razões óbvias, há grandes partes dos anos 1980 de que eu não me lembro – mas todos os jogos do Watford que eu vi ficaram gravados na minha memória. Talvez me tenha salvado a vida”, conta Elton John na autobiografia.

Como grande parte dos clubes ingleses, o Watford Football Club vem do século XIX, fundado em 1881, tomando o nome da cidade onde nasceu, situada a noroeste de Londres. Quando Elton John, entra nesta história, aos “seis ou sete anos”, andava pela terceira divisão sem nunca ter ido mais alto, era um clube de bairro para os adeptos locais, não que isto não seja uma nobre missão – parte da riqueza do futebol inglês é a fidelidade dos adeptos ao clube da sua terra, seja de primeira ou de terceira.

Avancemos mais umas décadas até chegarmos aos anos 1970, mais precisamente até 1976. O clube continuava na mesma – estava pior, na quarta divisão -, mas o mundo já reconhecia Elton John como o autor (em parceria com Bernie Taupin) de “Rocket Man”, “Your Song” e “Tiny Dancer”. A música tinha feito dele um milionário, e Elton John resolveu investir parte dessa fortuna na sua paixão futebolística. Os amigos músicos é que não percebiam bem porquê. Rod Stewart, por exemplo, gozava com Elton John por causa do futebol. “Se percebesses alguma coisa disto, não apoiavas esses gajos”, era o que Stewart, adepto do Celtic de Glasgow, dizia a Elton.

A história viria a dar razão ao autor de “Goodbye Yellow Brick Road”. Uma das suas primeiras medidas como presidente do clube foi mudar de treinador, apostando num jovem em ascensão chamado Graham Taylor, que era cobiçado por equipas da primeira divisão inglesa depois de ter feito um brilharete no Lincoln City. Taylor, que seria seleccionador inglês nos anos 1990, não tinha grande fé na loucura de Elton John, mas aceitou reunir-se com ele. “Convidou-me a ir a casa dele e disse-me que queria levar o Watford à Europa. Disse-lhe que nem com um milhão de libras. E ele só me respondeu, ‘Bem, vamos a isso’. Seis anos depois, quando chegámos à Europa, ele calculou que tinha gasto 790 mil libras”, contou Taylor ao Guardian.

Entre os concertos, os discos e toda a loucura que foi a sua vida nos anos seguintes, Elton John tinha sempre tempo para o Watford. Ia aos jogos, sentava-se no banco ao lado do treinador e puxava pelos adeptos. Seis anos depois, com Elton John na presidência e Taylor no comando, o Watford chegou à primeira divisão e, logo na primeira época entre os grandes, ficou em segundo lugar, apenas atrás de uma grande equipa do Liverpool. A imprensa inglesa chamava “Rocket Men” a esta equipa que tinha um jovem John Barnes e um avançado goleador chamado Luther Blissett, que, pouco tempo depois, seria vendido ao gigante italiano AC Milan (e se transformaria numa figura de culto para um movimento artístico italiano de inspiração anarquista).

Para além do segundo lugar em 1983, o Watford foi ainda à final da Taça de Inglaterra em 1984, derrotado pelo Everton, e andou brevemente pelas competições europeias, tal como Elton John tinha previsto – chegou à terceira ronda da Taça UEFA em 1983-84, eliminado pelo Sparta Praga. Taylor acabaria por sair para o Aston Villa em 1987, Barnes foi vendido ao Liverpool, e Elton John vendeu o clube, mantendo-se como presidente. Recomprou o clube em 1997, voltou a vendê-lo em 2002, mas manteve uma participação minoritária até hoje.

Em 2014, o clube reconheceu a importância do seu adepto mais famoso e dedicou-lhe uma bancada em Vicarage Road, onde sir Elton John ainda aparece de vez em quando, com o marido, os filhos e com o cachecol ao pescoço. A bancada Elton John tem escrito um verso de uma das suas músicas mais famosas ("Your Song”) e que, não tendo sido escrita a pensar em futebol, resume bem a relação do cantor britânico com a sua única paixão no futebol: “Como é maravilhosa a vida quando estás no mundo.”

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