Magali Chouinard escreveu um poema a preto e branco

O espectáculo da multidisciplinar criadora canadiana chega este sábado ao Teatro Carlos Alberto. É a última estreia da edição 2019 do Festival Internacional de Marionetas do Porto.

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JEAN-GUY LAMBERT

O percurso de Magali Chouinard está intrinsecamente ligado às artes visuais. Começou, ainda muito nova, pelo desenho a preto e branco, mas rapidamente a bidimensionalidade se tornou para ela um elemento “esmagador-opressor”. Perante a necessidade de alargar o seu espaço criativo, aumentou as dimensões das obras. Mesmo assim, não foi suficiente. Daí passou para o formato da instalação, que trazia o bónus de permitir aos espectadores o trânsito dentro e em torno das suas criações, e à artista a interacção com o público. O tempo viria a provar-lhe que o caminho também não era por ali. Faltava-lhe a possibilidade de movimento, algo que encontrou quando há dez anos se virou para a arte das marionetas.

Não é, por isso, de estranhar que o movimento seja um dos pontos-chave de Nomad Soul, o seu mais recente espectáculo, que este fim-de semana chega ao Teatro Carlos Alberto para encerrar a edição 2019 do Festival Internacional de Marionetas do Porto. Nele, a autora canadiana convida o público a embarcar numa viagem interior rumo ao “íntimo, para um encontro com as múltiplas essências que, de acordo com diversas situações, todos temos”, explica. Nesta aventura, a floresta e a natureza servem de pano de fundo – uma amostra da influência que a região do Quebeque, de onde Magali Chouinard é natural, tem nas suas criações –, ao mesmo tempo que a espiritualidade xamânica orienta as descobertas, conduzidas por um lobo e por um corvo, criaturas com simbolismo totémico.

Na construção do espectáculo, Magali serviu-se de elementos cénicos tridimensionais como máscaras e marionetas, mas também de filmes de animação e de vídeos, o que lhe permitiu ter “um maior número de possibilidades”, nomeadamente através das diferentes técnicas e escalas usadas. “Podes começar uma cena com marionetas tridimensionais, depois transitar para outra com a projecção de um desenho 2D e acabar com um filme”, explica a criadora canadiana ao PÚBLICO. A mudança constante de suporte pode levar a que o espectador se sinta perdido na sequência narrativa, mas isso serve o propósito de Magali de querer despi-lo de “pontos de referência”. Afinal de contas, é “quando nos sentimos perdidos e ousamos ir que recebemos e nos conectamos com aquilo que está dentro de nós”, defende.

JEAN-GUY LAMBERT
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Apesar da pluridisciplinaridade aparente da peça, a escolha dos múltiplos elementos que a constituem obedeceu a um fio condutor, a procura de verticalidade e de profundidade ao nível da cenografia, com especial destaque para as imagens – uma escolha que pretende adensar o universo paralelo no qual a história de Nomad Soul se desenvolve. Para reforçar esta premissa, o preto e o branco são as únicas cores usadas, o que, segundo Magali, constitui uma alusão ao seu passado no mundo do desenho e às limitações que este lhe impôs: “A melhor forma que encontrei de criar um ‘mundo paralelo’ foi recorrer ao preto e branco, já que o espectador percebe, logo à partida, que não se trata do mundo real, mas sim de outra coisa qualquer.”

A ausência de texto em Nomad Soul poderia ser entendida como um facilitador da introspecção que a autora pretende promover. Mas Magali Chouinard evoca novamente o seu passado artístico, desta feita no domínio da poesia, para refutar esta possibilidade. “Escrevi poesia durante muitos anos, e quando comecei como marionetista utilizava poemas no meu trabalho. Mas depois percebi que escrever com poesia é escrever com imagens, e trabalhar com a componente visual é trabalhar com imagens, por isso não preciso de texto.” O seu trabalho é encontrar as imagens “mais perfeitas e mais poderosas” para construir aquilo que vem a ser afinal este espectáculo: um “poema visual”.

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