No divã, os nossos intestinos contam-nos os seus segredos

Para adultos e crianças, a exposição Pum! A vida secreta dos intestinos mostra o “espanto” de um mundo povoado por milhares de milhões de bactérias que faz mais por nós do que nos levar à casa de banho.

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Vilosidades das paredes do intestino Daniel Rocha

A nova exposição do Pavilhão do Conhecimento, Pum! A vida secreta dos intestinos, ocupa uma sala cujas paredes se elevam até aos 40 metros. Nas paredes laterais estão duas enormes imagens que fazem parte do livro que inspira a exposição. Uma retrata a ligação entre os intestinos e o cérebro, a outra a forma mais correcta de se sentar numa sanita. Giulia e Jill Enders, as autoras do livro, mostram-se surpreendidas. “Uau”, exclama Giulia deslumbrada. Cá em cima, no varandim onde ela e a irmã se encontram, Giulia olha para baixo e percorre com o olhar os módulos da exposição, como se estivesse a vê-los pela primeira vez.

A exposição é inspirada no livro A Vida Secreta dos Intestinos, publicado em 2014 (traduzido para português pela Lua de Papel em 2015), e que fala, por exemplo, da relação que os intestinos têm com o nosso humor e a importância que a irritação intestinal pode ter no stress e na depressão. A exposição foi concebida pelo centro de ciência Cidade das Ciências e da Indústria (em Paris) numa parceria com o Pavilhão do Conhecimento (em Lisboa) e o centro de ciência Heureka (em Vantaa, na Finlândia). As reuniões entre os três museus e as autoras do livro começaram em 2016. Dois anos depois, a exposição foi lançada em Paris e estará em Lisboa até 30 de Agosto de 2020.

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Um dos módulos da exposição Daniel Rocha

Giulia e Jill Enders estão no Pavilhão do Conhecimento para ver o resultado final da curadoria portuguesa. Sofia Lourenço, a responsável pelo departamento expositivo do Pavilhão do Conhecimento, faz uma visita guiada ao PÚBLICO. “Esta exposição é sobre puns, cocós e arrotos e esperamos que divirta adultos e crianças”, afirma, enquanto se aproxima da entrada. Está prestes a ser “engolida” pela boca formada por um arco branco insuflado com dentes na borda. A digestão começa. Os intestinos vão revelar os seus segredos, sem causar cheiro ou repugnância, como se estivessem sentados no divã do psicólogo.

A “jóia” da exposição

Entrando pelo lado esquerdo, observa-se um módulo em que é possível ver imagens reais, em raio-X, do processo de deglutição. Sofia Lourenço está agora rodeada de módulos que ajudam a compreender o sistema digestivo, desde a composição da saliva – caracterizada como “farmácia autêntica” – até às alergias e intolerâncias que afectam o intestino, seja a insensibilidade ao glúten ou a intolerância à lactose. Esta é a primeira das três áreas que compõem a exposição, constituída por 31 módulos no total.

Ainda na primeira área, há um módulo assente num fino estrado preto com jóias brancas desenhadas. No meio desse estrado, está uma redoma com a “jóia” da exposição – parte de um tracto digestivo real. Este é o módulo preferido de Giulia Enders. “É algo que causa espanto e gosto do respeito que transmite”, fundamenta a autora, formada em gastroenterologia. Dentro da redoma vê-se um estômago, uma fracção do intestino delgado e outra do intestino grosso. A cor dos três é branca, porém, devido à iluminação, parecem amarelos como o ouro. “Na verdade, o nosso tracto digestivo não é cor-de-rosa, mas branco. Torna-se rosa devido à circulação sanguínea”, explica Giulia Enders.

O intestino delgado e o intestino grosso medem, em conjunto, sete metros de comprimento. O intestino grosso é o mais curto e está ligado ao ânus, por onde saem as fezes, constituídas maioritariamente por água (75%). O módulo “A consistência dos cocós” mostra os sete tipos de fezes que existem. Variam na textura e composição e podem indicar desequilíbrios na dieta. E qual a melhor forma de expulsar as fezes? A resposta pode ser encontrada no módulo “Bem sentado”, onde o visitante tem ainda oportunidade de experimentar a posição mais adequada a adoptar quando se senta numa sanita.

O nosso segundo cérebro

Rosalia Vargas, a presidente do Pavilhão do Conhecimento, conta que “em Paris a exposição teve um sucesso enorme entre o público adulto”, segundo lhe disse Bruno Maquart, presidente do centro de ciência de Paris. Sofia Lourenço dirige-se agora para a segunda área da exposição. A entrada é uma passagem cor-de-rosa com vilosidades esponjosas que saem das paredes. Representam as vilosidades que revestem a parede interior dos intestinos, onde se acumulam os microrganismos que o habitam – a flora intestinal.

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Módulo "Bem sentado" Daniel Rocha

A flora (ou microbiota) intestinal é constituída por bactérias, fungos, vírus e arqueas que ajudam a digerir os alimentos. Cerca de 100 mil milhões desses seres são bactérias e pesam, todos juntos, dois quilos. “Cada pessoa tem a sua própria colecção de bactérias. Seria inclusivamente possível ter de cada um de nós a impressão digital bacteriana”, lê-se no livro de Giulia e Jill Enders.

A última área da exposição é sobre a protecção e diversificação da microbiota. A Organização Mundial da Saúde recomenda a ingestão de 25 gramas de fibra por dia, ajudando a manter o equilíbrio da flora intestinal, que pode ter influência na decisão sobre aquilo que se come e no excesso de peso.

O intestino é considerado o segundo cérebro devido à extensa rede de neurónios que comporta e que coloca a microbiota intestinal em comunicação com o cérebro. Essa comunicação é feita sobretudo através do nervo vago e transmite sinais que chegam a várias regiões do cérebro, algumas ligadas às emoções ou a memória. Giulia Enders diz que o intestino é “um centro de comunicações que interage com o sistema imunitário, o cérebro, as hormonas ou os micróbios”. A autora acrescenta que é por causa disso que se torna difícil investigar o intestino. “É um pouco difícil calcular todos esses factores, mas penso que é disso que realmente gosto.”

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A exposição está dividida em três áreas e contém 31 módulos Daniel Rocha

Giulia Enders lembra que o principal objectivo do livro e da exposição é levar as pessoas a prestar mais atenção aos intestinos, cuidando deles sem medo. “Actualmente as pessoas recebem tanta informação. Dizem-lhes ‘façam isto’, ‘não façam aquilo’, ‘comam isto’, ‘não comam aquilo’, o que se torna um pouco confuso. Quero mesmo que as pessoas encarem isto de maneira despreocupada e que tenham confiança.”

Dois “módulos nacionais” foram acrescentados à exposição. “Conferem protagonismo aos investigadores portugueses”, esclarece Sofia Lourenço. Na parede à sua frente encontram-se duas vitrinas. Uma, a que chamaram “Retrato de família”, apresenta culturas de bactérias e fungos que existem nos intestinos. Foram cedidas pelo Instituo de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa e pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “Achámos que os outros módulos estavam completos, mas faltava uma coisa: ver as bactérias ao vivo e a cores.” A outra vitrina, mesmo ao lado, mostra alimentos como o queijo e o chouriço e as bactérias e leveduras que os produzem.

Texto editado por Teresa Firmino

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