Filipe Nyusi pode ser reeleito com mais de 80% dos votos; Renamo mantém-se em silêncio

Divulgação dos resultados começou a conta-gotas. Presidente conseguiu quase 70% dos votos em Maputo. MDM não aceita resultados e exige que a CNE “reponha a legalidade”. EUA preocupados com “problemas e irregularidades” na eleição.

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Filipe Nyusi depois de ter votado, a 15 de Outubro António Silva/Lusa

A embaixada dos Estados Unidos emitiu esta sexta-feira um comunicado muito crítico em relação ao processo eleitoral moçambicano, no dia em que os primeiros resultados das eleições de terça-feira começaram a ser divulgados a um ritmo muito lento. Ao princípio da noite, havia pouco mais de 10% dos votos da eleição presidencial e para Assembleia da República contabilizados e apenas 6,68% para as assembleias provinciais. Cinco províncias (Gaza, Inhambane, Manica, Sofala e Niassa) não tinham ainda qualquer resultado disponível no site da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

A tendência dos números, no entanto, parece confirmar a contabilidade feita pelas organizações da sociedade civil que fizeram apuramento paralelo dos resultados através dos editais das mesas de voto recolhidos pelos seus observadores no terreno. De acordo com a Sala da Paz e o Centro de Integridade Pública (CIP), a Frelimo e o Presidente Filipe Nyusi ganharam em toda a linha: com o chefe de Estado a ser reeleito com valores que podem chegar ou mesmo ultrapassar os 80%, a Frelimo a garantir uma maioria qualificada no Parlamento e a conseguir governar nas dez províncias do país.

Na cidade de Maputo, onde a contabilidade estava mais avançada (com 90,38% de votos apurados), Nyusi surgia à frente com 69,78% dos votos, seguido de Ossufo Momade, o líder da Renamo, com 23,06%, Daviz Simango, o presidente do município da Beira e líder do MDM, em terceiro, com 6,77%. Para a Assembleia da República, também com mais de 90% dos votos contabilizados, a Frelimo liderava com 62,73%, com a Renamo em segundo (27,54%) e o MDM em terceiro (7,10%).

Curiosamente, em Nacala Porto, na província de Nampula, a cidade onde morreram duas pessoas no dia da eleição, ambas às mãos da polícia (uma a tiro e a outra espancada) e houve problemas na contagem de votos, com o delegado da Renamo a pontapear uma das urnas na Escola de São Vicente de Paulo, Nyusi e a Frelimo tiveram uma vitória mais à tangente. Tendo Nyusi ganho a Momade por pouco mais de dois mil votos, a Frelimo derrotou a Renamo por menos de dois mil votos para a AR e por apenas 630 votos para a assembleia provincial.

 “Não vamos aceitar os resultados”, disse ao PÚBLICO o secretário-geral do MDM, José Domingos, “vamos instar a CNE a repor a legalidade”. O terceiro maior partido de Moçambique fala, em comunicado, de um sentimento de “indignação e repúdio pela forma como o processo de votação foi conduzido”. O MDM apresenta um rol de ilícitos graves e menos graves, perfeitamente identificados e fala em “fraude”. “A fraude atingiu um extremo”, como aconteceu no distrito de Lagos, província do Niassa, onde as “salas de aulas de seis assembleias de voto” na Escola Milagre Mabote, em Maniamba, a serem “incendiadas” junto com as urnas de voto.

O MDM fala nas “mais violentas e penosas eleições que o país organizou”, não tendo sido “justas, livres, nem transparentes”, naquilo que consideram ter sido a “negação do exercício da democracia” e termina com uma mensagem directa ao partido sempre vencedor em Moçambique: “Queremos deixar um recado aos nossos irmãos do clube da Frelimo e seus lambe-botas e yes men, que se envolveram nesta vergonhosa jornada fraudulenta eleitoral de 15 de Outubro: não nos levem convosco nas vossas aventuras e apetites de guerra, porque queremos contar amanhã aos nossos filhos os frutos da paz e não da miséria e roubos.”

Ao contrário do MDM, a Renamo preferiu continuar remetida ao silêncio. O PÚBLICO tinha uma entrevista agendada com o deputado António Muchanga, candidato a governador da província de Maputo, que foi desmarcada uma hora antes porque há ordens superiores para não falar à imprensa. De acordo com o porta-voz, José Manteigas, o partido terá uma reunião para a semana para analisar a situação, até lá não haverá posição pública: “Estamos a recolher informação, por enquanto não temos nada a dizer”. No dia das eleições, o líder e candidato presidencial, Ossufo Momade, garantira que a Renamo não aceitaria “resultados duvidosos”. 

O PÚBLICO não conseguiu chegar à fala com o porta-voz da Frelimo, Caifadine Manasse, a tempo de poder registar a posição oficial do partido em relação a todas estas questões. Mas Roque Silva Samuel, secretário-geral e chefe do gabinete central de preparação de eleições, disse, na quinta-feira, que a jornada eleitoral de terça-feira foi “mais um passo na consolidação da democracia”, pedindo “serenidade” a toda a gente “até que os órgãos competentes façam a divulgação dos resultados”.

Joseph Hanlon, editor noticioso do CIP, escrevia esta sexta-feira que “esta eleição foi diferente” de todas as outras. “Cobri todas as eleições multipartidárias em Moçambique e a Frelimo sempre exigiu dos seus membros ‘vitória a todo custo’”, mas estas parecem ser “as primeiras eleições gerais em que a Frelimo exerceu poder de forma organizada, mas descentralizada”, escreve em editorial. Fala num “novo ambiente de controlo, muito mesquinho”.

Mesmo a diplomacia norte-americana, que também mobilizou uma equipa de observadores, mostrou, em comunicado, a sua inquietação com a forma como decorreu o processo eleitoral: “A Embaixada dos Estados Unidos tem preocupações sérias em relação a problemas e irregularidades que podem ter impacto na percepção quanto à integridade do processo eleitoral”. A embaixada diz que os seus observadores eleitorais “testemunharam diversas irregularidades e vulnerabilidades durante o processo de votação e as primeiras fases de apuramento”.

O PÚBLICO viajou a convite da Associação para a Cooperação Entre os Povos (ACEP) e do Centro de Estudos Internacionais (CEI/ISCTE), no âmbito do projecto As ONG no Desenvolvimento e na Cidadania, financiado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua

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