Chefe do Governo de Hong Kong abandona Parlamento debaixo de protestos

Deputados acusam a chefe do Governo de ser responsável “pelo caos” no território. Carrie Lam saiu do Parlamento e proferiu o discurso através de vídeo.

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Carrie Lam abandona o Parlamento perante as críticas dos deputados pró-democracia Reuters/Tyrone Siu

A chefe do Governo de Hong Kong, Carrie Lam, não conseguiu proferir o seu discurso anual no parlamento local devido ao boicote de deputados da oposição que levaram ao inédito cancelamento da sessão. Lam tentava apresentar uma série de medidas sobre habitação numa tentativa de acalmar a tensão vivida há vários meses no território.

Lam fez o seu discurso mais tarde, através de vídeo, dizendo que o governo vai aumentar substancialmente o número de projectos para habitação e acelerar a venda de casas públicas. As medidas que Carrie Lam anunciou estão entre as mais ousadas dos últimos anos para recuperar grandes extensões de terra mantidas por um punhado de construtores poderosos.

“Estamos determinados a criar oportunidades de compra e venda de imóveis para pessoas de diferentes níveis de rendimento, para que elas possam fazer de Hong Kong a sua casa”, disse Lam. “Estabeleço aqui um objectivo claro de que os cidadãos de Hong Kong e suas famílias não precisarão de se preocupar com o problema da habitação, e que poderão ter a sua própria casa em Hong Kong.”

O regime chinês está convicto de que por trás do descontentamento da população — que causou a mais grave crise política em Hong Kong desde que o território foi transferido para a China, em 1997 estão as dificuldades que muitas famílias e estudantes enfrentam para encontrar casa a preços moderados. O preço das habitações na metrópole têm disparado nos últimos anos e a ausência de novas construções obriga grande parte da população a viver em casas minúsculas.

A chefe do Governo, que voltou a rejeitar os pedidos para a sua demissão, disse que cerca de 700 hectares de terras privadas nos novos territórios da cidade seriam trazidos de volta para uso público.

No entanto, os manifestantes que têm promovido os protestos que duram há quase cinco meses insistem que a sua revolta tem uma natureza política e que medidas como as que foram propostas por Lam não terão o efeito desejado de apaziguar a situação em Hong Kong.

“Questões de terras e de habitação não são uma panaceia para tratar uma política estragada”, disse ao Guardian o professor de Ciência Política da Universidade Baptista de Hong Kong, Kenneth Chan. “Este é um governo que finge governar e uma chefe-executiva que finge que tudo corre como o normal”, acrescentou.

Cinco exigências

Os deputados pró-democracia gritaram “cinco exigências, e não uma a menos”, o lema dos protestos que há meses enchem as ruas da região chinesa de administração especial, com Lam, que tem o apoio de Pequim, a não conseguir dar a volta à crise política.

As exigências incluem a introdução do sufrágio universal, uma investigação independente sobre o uso de força excessiva da polícia nas manifestações, a amnistia para os manifestantes detidos e o fim do enquadramento dos protestos como “motins”.

Alguns dos deputados usaram máscaras do Presidente chinês, Xi Jinping, dentro do Parlamento.

A deputada pró-democrata Tanya Chan disse que Carrie Lam é a culpada pelo caos de Hong Kong. “As duas mãos dela estão encharcadas de sangue”, disse Chan numa entrevista após o encerramento da sessão. “Esperamos que Carrie Lam saia. Ela não tem capacidade para governar”, afirmou.

Os protestos que tomaram conta de Hong Kong nos últimos meses começaram pela oposição à introdução de uma nova lei sobre a extradição que poderia permitir que suspeitos de crimes em Hong Kong fossem enviados para a China. A lei acabou por ser retirada, mas o movimento de protesto ampliou as suas exigências e passou a questionar abertamente o modelo “um país, dois sistemas” ao abrigo do qual o território é governado desde 1997. Uma ideia recorrente entre os manifestantes é a recusa em ver Hong Kong transformada numa cidade chinesa.

Apesar de ser um território sob soberania de Pequim, o estatuto de autonomia de Hong Kong garante-lhe algumas liberdades e direitos que não existem no resto da China.

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