Humanos conseguem regenerar cartilagens (quase) como as salamandras

Há pequenas moléculas que permitem que as cartilagens humanas se regenerem através de um processo semelhante ao das salamandras e dos peixes-zebra.

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Raio X de mãos com artrite reumatóide University College de Dublin

E se o nosso corpo tivesse os mesmos “superpoderes” de regeneração das salamandras? Embora não consigamos ganhar novos membros como esses anfíbios, conseguimos regenerar cartilagens lesionadas nas articulações através do mesmo processo usado por eles, revela um artigo científico publicado na última edição da revista Scientific Advances. No trabalho elaborado por uma equipa de cientistas dos Estados Unidos e da Suécia, anuncia-se ainda que os humanos têm as mesmas moléculas (em quantidades mais pequenas) que as salamandras usam para regenerar os seus membros. De acordo com os autores, este estudo pode contribuir para o desenvolvimento de tratamentos para a artrite. 

O axolote (Ambystoma mexicanum) tem a capacidade de regenerar partes inteiras do seu corpo. Esta espécie de salamandra volta a ganhar membros com músculos, ossos e nervos e consegue ainda reparar a espinal medula e o tecido da retina. Também o peixe-zebra (Danio rerio) tem grandes capacidades regenerativas. A regeneração de ambas as espécies é regulada por um circuito de micro-ARN (pequenas moléculas que regulam a expressão de proteínas), salienta-se no início do artigo.   

Para estudar a capacidade regenerativa humana, a equipa recolheu cartilagens de articulações de cirurgias realizadas no Hospital da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Ao todo, analisaram-se exemplares de articulações de ancas, joelhos e tornozelos de 18 indivíduos.

Ao observar modificações moleculares de proteínas nas cartilagens, a equipa concluiu que as articulações humanas têm uma capacidade de regeneração natural e que esta é mais forte na extremidade dos membros. Mais concretamente, descobriu-se que a regeneração do tornozelo é mais forte do que a do joelho. Já a capacidade de regeneração do joelho é maior do que a da anca.

“A cartilagem do tornozelo tem sobretudo proteínas ‘novas’ com poucas modificações químicas; a cartilagem da anca tem, principalmente, proteínas ‘velhas’ com muitas modificações químicas; e a do joelho está entre as duas anteriores”, enumera Virginia Byers Kraus, da Escola de Medicina da Universidade de Duke e uma das autoras do estudo. Estes resultados comprovam assim que há regeneração e renovação de proteínas nas cartilagens humanas. Demonstraram ainda por que é que as lesões nos joelhos e nas ancas, normalmente, têm uma recuperação mais lenta do que as do tornozelo e podem até levar à artrite.

Descobriu-se assim que alguns micro-ARN específicos que as salamandras usam para regenerar os seus membros estão envolvidos na capacidade de regeneração das cartilagens humanas. Além das salamandras, estas pequenas moléculas estão mais activas em animais conhecidos pela regeneração da cauda, membros e barbatana, como o peixe-zebra e lagartos.

Virginia Byers Kraus assinalou ainda ao jornal britânico The Guardian que a associação entre estes micro-ARN e a renovação das proteínas é maior em pessoas com osteoartrite do que em indivíduos sem esse problema.

A salamandra que há em nós

“Os humanos não conseguem regenerar as pernas e os braços, mas parecem ter ainda alguma resposta à reparação natural, tal como as salamandras”, resume Virginia Byers Kraus. A equipa espera assim que este estudo contribua para o desenvolvimento do tratamento da artrite. “Ao providenciarmos mais destes micro-ARN regenerativos [aos doentes], por exemplo através de injecções nas articulações, provavelmente poderemos abrandar ou prevenir a osteoartrite que ocorre com o envelhecimento ou devido a lesões nas articulações.”

Contudo, a cientista salienta que esta investigação tem algumas limitações, nomeadamente o facto de só se terem estudado algumas proteínas mais fáceis de extrair dos tecidos, o que pode estar a subestimar a taxa de modificações químicas provocadas por proteínas. “As cartilagens podem ter uma capacidade regenerativa ainda mais rápida do que estimamos.”

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O axolote consegue regenerar membros inteiros IMP

Fiona Watt – do Instituto Kennedy de Reumatologia da Universidade de Oxford (no Reino Unido) e que não fez parte do estudo – afirmou ao The Guardian que este estudo sugere que as cartilagens têm um mecanismo específico para se regenerarem. Para ela, é importante que se realizem estudos de longo prazo para perceber como é que este processo pode ter influência no desenvolvimento da osteoartrite e para explorar a melhor forma de a tratar.

Agora, a equipa de Virginia Byers Kraus testará os micro-ARN regenerativos em animais com osteoartrite. “Estas experiências poderão levar-nos a aprender mais sobre o que falta aos humanos e o que têm as salamandras. Talvez a regeneração de membros humanos seja possível um dia.” Como tal, a cientista pretende ainda compreender melhor a capacidade regenerativa dos humanos e encontrar as restantes componentes deste circuito. No fundo, para Virginia Byers Kraus, a sua investigação pode resumir-se desta forma: “É como invocar a salamandra que há em nós.”

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