Outubro, 15 de 2017: estamos à espera do próximo

Retomámos a vida do dia-a-dia. Todavia, o território persiste em proporcionar um elevado risco, pior do que o estimado em 2017, antes dos incêndios.

Dois anos após os incêndios de Outubro de 2017, o país aguarda fenómeno similar. Ou pior! Pode não ser num dia 15, nem em Outubro. Pode ser na presente legislatura, ou logo na seguinte. Pode ou não estar associado a um furacão ou a fenómeno meteorológico similar. Mas estará, seguramente, associado ao despovoamento e às opções de ocupação e uso dos solos.

No plano social e financeiro são conhecidas as muitas críticas, a elevada ineficiência das autoridades, os demasiados casos em investigação criminal relativos aos acontecimentos pós-incêndios de 2017. Lamentámos as vítimas mortais, condenámos os feridos a uma existência difícil, recuperámos o edificado e infra-estruturas, com tudo o que de estranho envolveu. Retomámos a vida do dia-a-dia. Todavia, o território persiste em proporcionar um elevado risco, pior do que o estimado em 2017, antes dos incêndios. Ao que ardeu e persiste no território, junta-se o que germinou e está sem gestão, acumulando nalgumas regiões cargas de combustível não antes vistas.

Ainda não deu para entender se a opção política é a de manter o rumo do despovoamento, da desflorestação, do avanço da desertificação, dos mirabolantes investimentos em regadio (leia-se, em betão), em extensas áreas de monoculturas, que mais tarde ou mais cedo são dizimadas pela seca, por incêndios, por pragas ou por doenças. Se for este o rumo, o sucesso parece mais do que garantido. A favor deste rumo estão as alterações climáticas, com destaque especial para as regiões de clima mediterrânico. Todavia, se o rumo pretendido é o inverso, não se vislumbram medidas coerentes, integradas, com apoio público suficiente para que ele se possa concretizar. Por apoio público entenda-se em recursos humanos, materiais e financeiros. O constante anúncio destes últimos tem-se revestido, numa parte, em mera ilusão, numa outra, em verter dinheiro sobre os problemas. Quanto aos outros recursos, o definhamento tem sido a regra. Os serviços públicos são hoje uma miniatura do passado, um faz que existe.

Quanto a recursos humanos, hoje em dia são poucas as escolas profissionais a formar técnicos agrícolas e nenhuma, reforço nenhuma, está neste momento a formar técnicos florestais. Estes técnicos, com o 12.º ano de escolaridade e formação profissional, poderiam ser uma primeira linha de um “exército” de combate ao abandono do território, pelo apoio que podem providenciar ao desenvolvimento agrário, ao uso sustentado e sustentável dos solos, na aposta em sistemas agroflorestais. Pior, no ensino superior assiste-se à redução do número de candidatos ano após ano. Sem exército não se vencem guerras. E sim, estamos em guerra. Pela defesa de um território que permita a presença humana em condições de vida condigna, proporcionada por um território com risco aceitável.

Mas, para alem do problema ao nível dos recursos, o país não tem estratégia, vai avançando em função de vaidades pessoais, de “reforma” em “reforma”. Da produção de diplomas legislativos que, como resultado, apresentam uma tendência crescente para a destruição. Não tem estratégia porque não tem uma visão. Na actividade florestal, vai-se especializando em culturas de risco, de lucro fácil, mas associado a produções de ciclo curto em termos de sequestro de carbono. Nas últimas décadas aumentou a taxa de produção de madeira triturada, regra geral vinculada a produtos de ciclo curto de sequestro de carbono, em detrimento da produção de bens à base da cortiça, por exemplo. Dos produtores de bens de ciclo curto de sequestro de carbono vêm as mensagens de que é preciso apostar nas florestas. Sim, com certeza. Mas não em plantações para associar a esse tipo de produções.

A articulação de políticas entre o poder central e o autárquico tem sido uma desilusão. E é fundamental o papel das autarquias para um rumo alternativo. Esse papel fundamental está no fortalecimento dos mercados locais, na maximização das mais-valias das produções locais, ou seja, no combate ao extractivismo, no acréscimo do rendimento dos munícipes.

Apesar do potencial do território nacional para uma grande diversidade de opções em termos de ocupação e uso dos solos, o facto é que o país vai caminhando de monocultura em monocultura, dos cereais ao pinheiro bravo, para o eucalipto, até ao olival e amendoal intensivos. De facto, a dúvida sobre se queremos mudar de rumo é justificável.

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