Talvez te falhe ternura

Dizem-te que és jovem, dizem-te que é maravilhoso ter 40. Não te sentes juvenil. Só muito raramente, já não é todos os dias como era dantes.

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Mag Rodrigues

A partir dos 40 tens a certeza de que vais falhar. Ou melhor, já falhaste. Aceitas que estás talhada para o falhanço como qualquer pessoa. A tua vida deixou de ter aquela fulgência dos 20 e dos 30. Com sorte, já conheceste o amor e o desamor, algum sucesso e frustração. Portanto, sabes que daqui em diante tudo serão sucedâneos. Pouca ou nenhuma novidade. Adivinhas uma década fastidiosa, embora te incitem à acção. Lês e escutas por toda a parte que se é jovem aos 40. Só que não. Não concordas. Pelo menos, sentes-te cansada. Talvez seja só uma fase. LOL. Detestas LOL. Nunca te rebolaste a rir, nem mesmo sob o efeito de estupefacientes antes dos 40.

Finalmente consegues descolar o rabo do sofá para uma noite de copos com as amigas. Depois de mais de meio ano a combinarem e a descombinarem o que seja, lá conseguem juntar-se. Combinam jantar e bebem mais do que deviam — não mais do que há dez anos, mas no corpo parece o dobro ou o triplo — para ver se se aguentam. Só que não. Às três da manhã já estás a desejar ir para casa esticar-te na cama ou no sofá, onde quer que seja, desde que seja silencioso e horizontal. Se te forças a ficar até mais tarde, tens de beber ainda mais e o resultado é uma verdadeira tragédia. Voltas a ficar acelerada, começas a fumar, porque só fumas quando bebes demais, e a dizer disparates como se não houvesse amanhã. Sabes que a brincadeira de uma noite te vai custar, literalmente, os olhos da cara.

Quando acordas na cama, tens dificuldade em descolar as pestanas e uma vaga ideia de teres deixado os sapatos de salto alto à entrada de casa, no corredor, e o vestido e os collants pendurados na cadeira da mesa da cozinha. Deitaste-te só em soutien e cuecas, ainda sobreaquecida pelo álcool, e agora, com a luz da tarde a furar as persianas, sentes-te friorenta, mal-humorada e arrependida. Lembras-te da música do Paco Bandeira. A Ternura dos 40. Mas de que raio te foste lembrar? Só pode ser resultado de um cérebro ainda ensopado em vinho. Os copos que não bebi/ Os discos que não toquei/ Os poemas que não li/ Os filmes que nunca vi/ As canções que não cantei. Que ternura? Aquilo mais parece um rol de lamúrias a dar para o azedo. À excepção da referência no título, falhou-lhe a ternura na letra. Nem acreditas que te foste lembrar do Paco Bandeira e daquela música ridícula.

Lembras-te também do que pensavas das pessoas com 40 quando eras miúda. Pareciam-te velhas e chatas. Agora que atingiste esse patamar, a sociedade quer contradizer-te. Dizem-te que és jovem, dizem-te que é maravilhoso ter 40. Não te sentes juvenil. Só muito raramente, já não é todos os dias como era dantes. Uma coisa é certa, continuas a ser uma miúda na tua visão sobre o assunto. Só que agora és a miúda que vê a quarentona chata ao espelho. Talvez depois dos 50 a década anterior te pareça jovial e tenhas pena de não a teres aproveitado. Estás, de facto, a falhar. É o que sentes, embora não saibas dizer no quê. É qualquer coisa interna. Talvez te falhe ternura, como na música ridícula.

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