E agora, Catalunha?

A partir de hoje, a sentença entra na campanha e não apenas na Catalunha. É também um desafio a Sánchez. Não só deverá evitar uma escalada repressiva como não mostrar fraqueza nem perder o controlo da situação.

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O ponto crítico passa de Madrid para Barcelona. A sentença do Supremo Tribunal de 14 de Outubro coloca os independentistas catalães perante uma encruzilhada que revela a sua divisão. O independentismo tem de decidir se mantém o protesto confinado à rua, sob a forma de “desobediência civil”, ou se retomará a linha da “desobediência institucional”, a estratégia de choque com o Estado que levou ao julgamento e à condenação dos líderes secessionistas de 2017. Na primeira linha, estará Oriol Junqueras, líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC); Quim Torra, o presidente da Generalitat, representará a segunda opção.

As manifestações de rua serão impressionantes. Os activistas parecem galvanizados por um nome modelo de luta urbana: Hong Kong. Depois da operação de ontem no aeroporto de Barcelona, outras foram já preparadas nas últimas semanas. Haverá marchas sobre a capital catalã. O objectivo é paralisar a Catalunha. Estão também anunciadas “acções-surpresa”, cuja natureza se ignora. A questão está em saber se passarão “linhas vermelhas”.

“E depois das manifestações o quê? Esta é a questão”, sublinha o ensaísta Francesc-Marc Álvaro no diário La Vanguardia. “As manifestações contra a sentença – maciças e relevantes – não durarão sempre. (…) A Catalunha independentista está zangada mas não está a viver um clima pré-insurreccional.”

A área radical anseia que a sentença provoque um “salto qualitativo” na marcha triunfal para a independência. Aposta no “bloqueio” do Estado e numa repressão policial análoga à de 1 de Outubro de 2017, o dia do referendo. Mas isto será a última coisa que Pedro Sánchez pensa consentir.

Quim Torra parece partilhar desta miragem: “Não podemos continuar a pensar que temos de gerir esta autonomia permitida, que nos é oferecida como uma concessão de Espanha. A sentença deve levar-nos a recuperar uma dinâmica ganhadora. (…) Não aumentaremos nenhuma base pedindo licença e aguardando que no-la dêem.” Imagina a sentença como o “momentum”, o detonador de uma insurreição popular que, desta vez, force o Estado espanhol a negociar.

Na trincheira oposta, parece estar Junqueras. Numa entrevista à Europa Press, explicou que a “desobediência institucional” é um beco sem saída. “Não pode voltar a acontecer, há um bem a preservar, que são os cidadãos e as suas instituições.” Traduz Francesc Álvaro: “O líder da ERC tem claro – e não é o único – que a Generalitat não deve ser sacrificada num constante choque estéril (e geralmente simbólico) com os poderes do Estado.” Junqueras quer uma reacção “impressionante”, mas “sem fumo nem simbolismo vazio”. Considera que uma nova aplicação do artigo 155 seria fatal para os interesses da Catalunha.

As eleições no horizonte

A ERC sabe que que as instituições de autogoverno estão gravemente afectadas. O parlament e o govern deixaram de legislar e governar para se centrarem exclusivamente na condução do procés soberanista. A administração está paralisada. A produção legislativa é praticamente nula. A popularidade das instituições “está de rastos”. A taxa de apoio ao independentismo roçou os 50% em 2013 e hoje rondará os 35-40%, sublinha um estudo do Real Instituto Elcano.

Nos últimos meses, o independentismo catalão tem sido cenário de uma acesa disputa da hegemonia, entre a ERC e a coligação Juntos pelo Sim, associada ao “exilado de Waterloo”, o ex-president Carles Puigdemont. A proximidade das eleições legislativas exacerbou o confronto, embora de momento encoberto pela reacção à sentença. Interroga-se o jornalista Ruben Amón no El Confidencial: “Quanto vai a ERC capitalizar com os anos de cárcere de Junqueras, ou quanto expiará Puigdemont na urnas o seu indecoroso desterro?”

A partir de hoje, a sentença entra na campanha e não apenas na Catalunha. É também um desafio a Sánchez. Não só deverá evitar uma escalada repressiva como não mostrar fraqueza nem perder o controlo da situação. Ao mesmo tempo, deve dar sinais de abertura a Barcelona. A sentença é também a paradoxal oportunidade para Madrid definir uma nova política catalã.

“Sánchez necessitava de um estímulo para reanimar a sua campanha, um argumento para neutralizar a depressão nas sondagens”, escreve Amón. É a perigosa oportunidade de se afirmar como alternativa à instabilidade e ao caos.

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