Abandono do leninismo?

Se não são possíveis avanços nada de compromissos. Se são possíveis, há que avançar.

Em matéria de perceção de aceleração o tempo em que vivemos, a leitura de duas obras (O esquerdismo doença infantil do comunismo e O radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista, de Lenine e Cunhal respetivamente) que há quarenta e muitos anos os marxistas leram sofregamente, fica-se com a dimensão dessa aceleração. O interessante é que há cinquenta anos quem lia o livro de Lenine não sentia essa tremenda diferenciação entre o movimento operário de então e o do início do século passado. Como mudaram as circunstâncias… Mesmo em relação a toda esta problemática, no fim dos anos sessenta, tratada por Álvaro Cunhal, voltando ao livro, parece que mergulhamos em algo que a sociedade já não reconhece.

Tudo isto vem a propósito da velha e estafada discussão no movimento revolucionário e progressista sobre os compromissos.

A resposta de Lenine independentemente de se perfilhar ou não o leninismo é clara… “A história do bolchevismo antes e depois da revolução de outubro está cheia de exemplos de acordos, de conciliações e de compromissos com os outros partidos, sem excetuar os partidos burgueses”… Pag.94 Edições Avante. Álvaro Cunhal escreveu …”cada etapa tem fases diversas, que não podem estabelecer-se segundo esquemas, que apresentam sempre novidades e imprevistos, um processo complexo e irregular, mas exigem que se defina o alvo do golpe principal”… Pag.63 Edições Avante.

Esta constatação e muitos outros dados explicam a razão que levou a que o PCP tivesse estado nos governos provisórios com Sá Carneiro e Mário Soares e tivesse aconselhado a votar em Mário Soares para derrotar Freitas do Amaral. A fase da luta, dentro das orientações saídas dos últimos Congressos do PCP, é por uma democracia avançada que se insere na estratégia mais geral da luta pelo socialismo.

O alvo principal é o grande capital, a burguesia parasitária nativa, e em boa medida a direita, independentemente das suas contradições que é preciso explorar… voltando a Lenine (é obrigação dos leninistas conhecerem Lenine) “.… só se pode triunfar sobre um adversário mais poderoso à custa de uma extrema tensão de força e com a condição obrigatória de tirar partido, com a maior atenção, minúcia, prudência e inteligência, dos menores “desentendimentos” entre os inimigos, dos menores oposições de interesses entre burgueses de diversos países, entre os diferentes grupos ou categorias da burguesia no interior do país e também das possibilidades de se assegurar um aliado numericamente forte, ainda que seja temporário, hesitante, condicional, pouco sólido e pouco seguro… Pag.95.

Assim o eixo principal da ação política é contra todos os que pretendem impor empobrecimento ao país e a todos os que vivem do trabalho. São aliados todos os que, pelas mais diferentes razões, não estão interessados no empobrecimento e na austeridade que permita ao grande patronato e ao sistema financeiro / banca esmifrar o povo português através da chamada competitividade, ou seja, no apagamento dos direitos laborais, sociais, culturais e ambientais.

Nestas circunstâncias cabe perguntar - é ou não possível fazer propostas que “obriguem” o PS a sair da sua tendência claudicante e conquistar novos, mesmo que pequenos avanços, na reconquista de direitos que a troika e a direita roubaram? É ou possível no domínio do SNS propôs medidas que impeçam a sua destruição ou a degradação dos mesmos? É ou não possível em relação à escola pública pequenos avanços que façam todos readquirir maior confiança no sistema educativo?

No domínio da Segurança Social é ou não possível avançar com aumentos por mais pequenos que sejam, mas que se vejam, em relação às pensões mais degradados? No que se refere à função pública é ou não possível negociar acordos de aumentos salariais? É ou não possível encontrar medidas para minorar a desgraça em que se encontra o interior do país? É ou não possível encontrar meios de tornar a Justiça mais acessível e menos morosa?

Se não são possíveis avanços nada de compromissos. Se são possíveis, há que avançar. Embora o tempo e as circunstâncias das lutas se tenham alterado por referência àquelas obras, aqueles princípios acima referidos permanecem válidos, mesmo para quem nunca é capaz de reconhecer erros próprios não deve deixar de ter em conta o que os seus mestres ensinaram.  

                 

      

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