Esta coisa pública que se faz privada

É por pouco compreensível que a CGD revele tanta falta de sensibilidade na gestão dos seus clientes que se encontram entre as faixas mais fragilizadas da população

Mesmo que haja gente que se consegue eleger para o Parlamento cavalgando o mito que os males de Portugal se devem ao facto de este ainda ser um país economicamente pouco liberal, a verdade é que dessas “conquistas de Abril” já não resta tanto assim para ser o bode expiatório da nossas fracas taxas de crescimento e do nosso baixo índice de competitividade.

É certo que na Saúde, Educação e Justiça ainda há muito para despertar o interesse dos privados (normalmente desde que acompanhado pelo respectivo financiamento público), mas não é muito difícil perceber que não são estes sectores que pesam na nossa performance económica. Desde os anos 90, e na maior parte dos casos bem, muitas áreas foram privatizadas, desde a comunicação social até à banca. A vinda da troika deu mais um empurrão neste sentido e, para além de significativas alterações na lei laboral, ainda levou a privatização em áreas como a distribuição de energia ou os correios, em que alguns podem identificar, com alguma pertinência, serviços essenciais que deveriam ser assegurados pelo Estado.

Entre o que resta na esfera do Estado está a Caixa Geral dos Depósitos (CGD), um banco que uns dirão ter sofrido por estar sujeito ao poder político, nomeadamente por más decisões dos administradores nomeados por este, mas que há muitos anos beneficia de um lugar único de referência no que respeita a pagamentos do Estado, nomeadamente dos seus pensionistas e reformados.

É por isso pouco compreensível que a CGD revele tanta falta de sensibilidade na gestão desse enorme contingente de seus clientes que, muitas vezes, se encontram entre as faixas mais fragilizadas da população. Duplicar o preço a cobrar para actualizar uma caderneta ou agravar em mais 14% o custo da conta à ordem mais barata, com a justificação de que a revisão está “em linha com o mercado”, até pode ajudar quem argumenta que este é um banco igual aos outros e que, como tal, deve ser privatizado. Mas até que isso aconteça este é um banco público que, no mínimo, não deve contrariar os valores do seu proprietário, nomeadamente o da protecção dos mais desprotegidos, exactamente aqueles que usam caderneta ou optam pela conta mais barata.

Escudar-se atrás da desculpa de que a “gestão do banco é com a comissão executiva” é muito pouco para quem ainda defende que o Estado tem um papel importante a desempenhar na nossa sociedade. Parte da “geringonça”, o PCP e o Bloco de Esquerda, já mostraram onde estão, inclinando para a esquerda as suas críticas. E o Governo? Para que lado pende?

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