Homem viola e mata mãe. Peritos detectam falhas no sistema para evitar os crimes

Homem matou com extrema violência a mãe que o acolheu no regresso a Portugal, após duas décadas a viver no Reino Unido. Equipa que analisa retrospectivamente casos de violência doméstica defende que deveria ter havido um contacto prévio com as autoridades de apoio social e a família.

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Daniel Rocha

Um português que voltou do Reino Unido em 2017, depois de ter ficado desempregado e sem abrigo naquele país, e que violou e matou com extrema violência a mãe que o acolheu em casa, não terá sido devidamente acompanhado no regresso por instituições como a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e outras, que não trataram de averiguar se haveria condições para o acolhimento e a reintegração familiar, conclui a Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídios em Violência Doméstica. 

No sétimo relatório - divulgado esta quinta-feira - desta equipa de peritos que procuram analisar e perceber o que corre mal em casos de violência doméstica, concluiu-se, mais uma vez, que houve falhas na actuação das entidades que actuam neste sistema e que poderiam ter desencadeado acções de forma a prevenir os crimes.

O agressor, um pedreiro desempregado de 46 anos que viveu durante quase duas décadas no Reino Unido - de onde foi expulso em 2017 por não ter trabalho nem habitação e por acumular várias condenações por agressões e distúrbios naquele país -, foi encaminhado para os serviços de acção social da SCML, que o alojou num centro de atendimento durante quatro dias e lhe pagou o bilhete de avião para a região autónoma onde vivia a mãe, “com base nas informações por ele prestadas de que teria suporte familiar” lá, lê-se no relatório. 

Quinze dias depois de ter sido acolhido pela mãe, com 79 anos e viúva, o homem, que tem um historial de alcoolismo e de consumo de canabinóides, assassinou-a “num quadro de extrema violência”. Na noite de 25 de Março de 2017, “abeirou-se da mãe, desferiu-lhe um número indeterminado de socos, múltiplos golpes com uma faca de cozinha e manteve com ela relações sexuais de cópula vaginal”, descreve-se no relatório.

De seguida, arrancou-lhe os brincos e estrangulou-a. A mulher morreu por “asfixia mecânica por oclusão dos orifícios respiratórios e/ou constrição do pescoço”, segundo o resultado da autópsia. Ele acabou por ser condenado à pena máxima, 25 anos de prisão, pelos crimes de violação agravada, roubo e homicídio qualificado.

Toda esta violência e este homicídio poderiam ter sido evitados? A equipa liderada pelo procurador Rui do Carmo concluiu que várias diligências que poderiam ter sido efectuadas numa situação deste género ficaram por fazer. Desde logo, “a SCML não efectuou diligências para caracterizar o contexto da situação” do agressor, “nem efectivou qualquer indagação sobre as condições de acolhimento" no destino, sublinha. Não contactou, sequer, com a mãe, nem com o Instituto da Segurança Social (ISS), que no passado já “tinha prestado apoios à família”, quando o pedreiro residira por um curto período na região autónoma, em 2014 e 2015.

Com o 6.º ano de escolaridade, ele passou a maior parte das duas últimas décadas no Reino Unido, de onde regressou pela primeira vez em 2014, devido ao “absentismo e perda de trabalho pelo consumo de substâncias psicoactivas" e ao “envolvimento em problemas com as autoridades”, que revelava já “um funcionamento com défices no autocontrolo, impulsividade e hostilidade nas relações interpessoais”, lê-se no relatório.  Até essa data, tinha acumulado “três condenações criminais naquele país, em penas de multa, por agressão, prática de distúrbios em estado de embriaguez e falta de submissão a custódia”. Em 2014, chegou a estar internado em Portugal para tratamento de desabituação ao consumo de bebidas alcoólicas. 

Reintegração familiar?

“Um contacto prévio com as autoridades de apoio social locais e com a família teria permitido compreender o percurso pessoal” do agressor e “as dificuldades que surgiriam quanto à sua reintegração familiar”, defendem os peritos. Ou seja, o regresso dele teria de ser “devidamente preparado para garantir as condições adequadas de integração e reinserção social, bem como a segurança da mãe”. A equipa acredita ainda que se “o Instituto de Segurança Social tivesse sido contactado e informado do regresso” do homem, “conhecendo os problemas familiares e de comportamento durante a sua anterior estadia na região”, poderia ter avançado com “medidas de apoio familiar e médico-social”.

Os peritos voltam, assim, a recomendar que haja maior articulação e informação das instituições que trabalham com pessoas em situação de vulnerabilidade. “Todas as entidades a que tenha sido solicitado ou que tenham o dever de prestar apoio para a deslocação de pessoa em situação de vulnerabilidade e/ou exclusão social para outra área geográfica devem, como regra, proceder à informação e auscultação dos serviços de acção social e das pessoas, familiares ou não, que tenham sido indicadas pelo beneficiário como seus potenciais acolhedores no local de destino”, aconselham.

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